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Netflix pode cobrar pelo compartilhamento de senhas? Especialistas veem problemas na conduta da empresa

Imagem mostrando uma mão segurando um controle remoto apontado para uma TV; na tela, aparece o logo da Netflix (NFLX34)

Uma mudança anunciada pela Netflix no fim de maio causou indignação nos seus usuários brasileiros, embora já fosse esperada: a instituição de uma cobrança extra de R$ 12,90 para quem compartilhasse a senha do seu plano com usuários que não morassem na mesma residência do assinante.

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A empresa de streaming já havia anunciado medida semelhante em outros países e tomou essa decisão para melhorar as suas receitas. Com o aumento da concorrência, recentemente a plataforma chegou a ver queda no número de assinantes.

A nova cobrança deixou os consumidores indignados, e eles correram para o Reclame Aqui e os Procons estaduais para registrar queixas. Pelo menos quatro Procons, entre eles o de São Paulo, já notificaram a empresa cobrando explicações.

Mas essa nova tarifa é legal? A Netflix pode fazer isso? Bem, as empresas têm, a princípio, o direito de aumentar os preços dos seus produtos ou instituir tarifas novas, mas no caso da Netflix, a maneira como essa cobrança está sendo implementada e a falta de informações podem sim suscitar uma série de questionamentos.

Como vai funcionar a nova cobrança

Atualmente, a Netflix oferece planos com uma, duas ou quatro delas de aparelhos compatíveis com acesso simultâneo ao conteúdo via streaming. Porém, o uso fora da residência do assinante sofrerá uma cobrança adicional de R$ 12,90 por “ponto extra”, isto é, uso fora da residência do assinante.

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No entanto, ao divulgar a mudança, a Netflix garantiu que pessoas que têm uma segunda residência, como uma casa de praia ou de campo, poderiam continuar usando a sua conta normalmente neste local, sem necessidade de pagar tarifas adicionais.

O mesmo vale para o uso da senha em trânsito – por exemplo, em hotéis, durante viagens, ou em aparelhos móveis fora de casa – que também não sofreriam cobrança extra.

Só que começa aí o problema. Como a empresa vai verificar se o uso da senha num celular está sendo feito por alguém que mora com o assinante ou não? Ou que o outro endereço onde determinada conta está sendo usada é da segunda residência do assinante, e não simplesmente a casa de um dos seus amigos?

Eu entrei em contato com a Netflix via assessoria de imprensa para tentar esclarecer esses pontos, mas não obtive resposta até o fechamento desta reportagem. Caso a empresa venha a se manifestar após a publicação desta matéria, o conteúdo será atualizado.

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Por enquanto, a empresa tem se limitado a perguntar aos clientes, na sua tela inicial, se aquela é a residência do assinante.

“Não se insere nos limites do contrato que há uma vinculação contratual em relação a um endereço”, diz o advogado Mario Martins, do escritório Martins Cardozo Advogados Associados, que considera obscura ainda a forma como será feita essa comprovação de endereço.

Além disso, segundo ele, o fato de o serviço de streaming poder ser feito em aparelhos móveis e de existir um plano que oferece acesso a quatro telas simultaneamente já “desmistifica” a ideia de que o serviço só possa ser usado em uma única residência ou por pessoas que nela habitam. “Até porque a modalidade de streaming não se limita a um ambiente específico”, diz.

Netflix incentivou o compartilhamento de senhas no passado

Um dos argumentos em favor da Netflix neste caso é que o seu serviço sempre foi destinado apenas aos habitantes da residência do assinante, e que a empresa apenas não punia quem “desse um migué” e emprestasse a senha para terceiros. Agora, simplesmente passou a cobrar por isso.

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De fato, os termos de uso da Netflix, atualizados no início deste ano, dizem que o serviço se destina exclusivamente a uso pessoal e não comercial e que não pode ser compartilhado com pessoas de fora da residência do assinante.

Esta cláusula também já constava nos termos de uso anteriores, de novembro de 2022, que também está disponível no site da plataforma.

Como os termos de uso que valem para o cliente são aqueles que estavam vigentes na data em que ele contratou o serviço, eu tentei verificar se esta cláusula também constava nos termos de uso antigos da Netflix, mas não tive sucesso.

Além de perguntar para a assessoria de imprensa se a regra sempre foi essa no Brasil – contato para o qual ainda não tive resposta – eu também tentei obter, no chat de atendimento ao consumidor, os termos de uso que estavam vigentes quando eu mesma contratei o serviço, no fim de 2016.

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A resposta da atendente, no entanto, foi “infelizmente não é possível” e que, se eu não concordar com os termos de uso atuais, eu posso “cancelar a conta a qualquer momento caso deseje”.

Mais um problema. A empresa não pode se recusar a disponibilizar para o cliente os termos de uso vigentes na época em que ele contratou o serviço, pois eles tomam natureza de um contrato por adesão.

Segundo o advogado Mario Martins, esta atitude da Netflix é ilegal, e em contratos por adesão, todas as cláusulas são impugnáveis a posteriori, isto é, podem ser questionadas legalmente pelo consumidor. Não é possível verificar se a conduta da empresa é adequada frente ao que se contratou sem acesso aos termos de uso da época da contratação.

Seja como for, ainda que o uso exclusivo na residência do assinante sempre tenha constado nos termos de uso da Netflix, é inegável que a empresa já incentivou o compartilhamento de senhas no passado, como parte da sua estratégia de comunicação, ainda que fosse contra as regras da própria empresa, como atesta o célebre tuíte abaixo do perfil oficial da Netflix:

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Questionamentos dos consumidores podem render frutos?

Dito tudo isto, quais as probabilidades de as queixas dos usuários brasileiros se traduzirem em alguma vitória para o consumidor?

O advogado Mario Martins acredita que esses questionamentos podem render frutos, mas a advogada Renata Abalém, diretora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDC) e membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SP já é mais cética.

Isso porque, se depender de os consumidores entrarem com ações na Justiça, sejam individuais ou coletivas, elas provavelmente não teriam tanta força frente a uma empresa do porte da Netflix.

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Relativamente poucas pessoas se dariam ao trabalho de entrar com uma ação por causa de um serviço de mensalidade tão baixa, de fácil cancelamento e diante de uma concorrência acirrada.

Para a maioria das pessoas, provavelmente seria mais fácil simplesmente pagar a nova tarifa, fazer uma nova assinatura da Netflix ou cancelar o serviço e migrar para outra plataforma de streaming. Opção é o que não falta no mercado.

“Diante de uma potência como a Netflix, quem poderia fazer algo? Os Procons, mas eles são órgãos estaduais. Se o Procon-SP conseguir uma medida cautelar, valerá para São Paulo apenas”, diz Renata Abalém.

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De fato, os Procons já estão no caminho de tentar ao menos esclarecer para o consumidor as regras da nova cobrança, podendo aplicar sanções administrativas caso alguma ilicitude seja identificada.

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O Ministério Público de Minas Gerais também já instaurou uma investigação por suposta prática abusiva por parte da Netflix neste caso da cobrança por “ponto extra”.

Mas quem teria poder de fazer algo em nível nacional, diz Abalém, seriam a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Para Anatel, definição do conceito de residência está ‘pouco clara’

Em nota enviada ao Seu Dinheiro, a Anatel disse que a Netflix precisa seguir as normas de defesa do consumidor do país e que a questão já vem sendo acompanhada pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e pelo Ministério Público. Assim como os Procons, a agência também notificou a Netflix a prestar esclarecimentos sobre o caso.

A agência diz ainda estar preocupada quanto à clareza, para os usuários, sobre a forma e os critérios adotados para o bloqueio de acessos, em especial pela definição pouco clara do conceito de residência, que não deve ser aplicada de maneira a inviabilizar o uso do serviço em dispositivos móveis.

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Veja a nota na íntegra:

“Sobre a cobrança, pela Netflix, do valor de R$ 12,90 pelo acesso ao serviço fora do domicílio principal do usuário, a Agência Nacional de Telecomunicações registra que a sistemática adotada pela empresa de streaming deve seguir as normas de defesa do consumidor vigentes no país, especialmente as relacionadas à informação clara ao consumidor.

A questão já está sendo acompanhada pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) e pelo Ministério Público sob a perspectiva do “compartilhamento de senhas” e a empresa está respondendo diversas notificações de Procons estaduais.

Nesse cenário, a Agência Nacional de Telecomunicações registra ainda sua preocupação quanto à clareza para os usuários sobre a forma e critérios adotados para o bloqueio de acessos de telecomunicações ao serviço da Netflix e sua relação com a conexão com a rede por eles utilizada, em especial pela definição pouco clara do conceito de residência, que não deve ser aplicada de maneira que inviabilize a utilização do serviço em dispositivos móveis como aparelhos celulares, tablets, notebooks etc..

Ainda sob a perspectiva das redes, a Anatel notificou a empresa para prestar os devidos esclarecimentos.

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Por fim, o caso demonstra, de maneira evidente, a necessidade de regulação das plataformas, como vem sendo advogado pela Agência Nacional de Telecomunicações, com o objetivo de que a proteção ao consumidor possa ser realizada de maneira mais efetiva.

A Anatel já vem sendo inclusive procurada por consumidores e por outras entidades de defesa do consumidor, em busca de informações sobre o caso.”

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