Não há como negar que, nos últimos anos, o uniforme da Seleção Brasileira se tornou um item com novos significados. Motivo de orgulho por conta da sua história e das cinco estrelas bordadas no escudo, o uso intenso da camisa amarela em manifestações políticas desde 2013 fez com que parte da população não se sentisse mais confortável com a peça.
O clima de eleição ainda nem se dissipou e a Copa do Mundo do Catar já está batendo na porta, deixando muita gente confusa sobre usar ou não um dos maiores símbolos nacionais — mas, se depender do presidente eleito, esse não deve mais ser um problema. Lula utilizou as suas redes sociais para defender o uso do uniforme verde e amarelo, na tentativa de unificar o país em torno da equipe masculina de futebol.
Mas enquanto a amarelinha não entra em campo, já tem empresa na B3 que vestiu a camisa e saiu jogando — como o Grupo SBF (SBFG3), dono da rede Centauro e da Nike do Brasil, fornecedora oficial do uniforme da seleção brasileira.
Essa será a primeira Copa do Mundo do grupo após a aquisição da Nike no país, o que torna difícil o efeito comparativo com o movimento visto na competição de 2018.
A operação de R$ 1 bilhão foi anunciada em fevereiro de 2020 e concluída em dezembro do mesmo ano. Hoje, a marca é gerida pela subsidiária Fisia, já que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) obrigou a separação de negócios entre a Nike do Brasil e a Centauro, como forma de desestimular condutas anticompetitivas.
O que se espera é que a missão de vestir uma nação para a Copa do Mundo traga bons frutos para a Centauro, tornando-a a única empresa do varejo capaz de driblar a queda do volume de vendas nos shoppings durante os dias de jogo do Brasil — e de sair com o caixa reforçado da competição.
Quanto vale a Copa do Mundo para a Centauro?
Segundo dados coletados por Fernando Ferrer, analista de ações da Empiricus, o ganho sazonal da companhia com a competição é de 90% com a venda de camisas da seleção brasileira, 9% de outros artigos esportivos e 1% relacionados a venda marginal — além do time da casa, a Nike também é responsável por vestir outros 13 países da competição.
Para 2022, a expectativa é de um faturamento extra de R$ 250 milhões, distribuídos entre o terceiro e quarto trimestres, já que o lançamento oficial do novo modelo foi feito na virada do semestre.
Tradicionalmente, o pico de vendas é a semana anterior ao início da competição, com a demanda acompanhando o desempenho do Brasil ao longo das fases — de grupo, oitavas de final, quartas de final, semifinal e final.
A campanha de lançamento, no entanto, foi um sucesso. De acordo com dados divulgados na teleconferência de resultados do terceiro trimestre, no comparativo com 2018, o Grupo SBF registrou um aumento de 10 vezes no número de peças vendidas nos dois primeiros dias após o lançamento, e 50% mais vendas nas primeiras 10 semanas — mesmo com um preço do produto 40% mais alto do que o aplicado na última Copa do Mundo.
Os dados preliminares carregam boas notícias, mas mesmo assim é pouco provável que a receita gerada pelo evento ultrapasse o teto. Isso porque, ainda que a empresa tenha conseguido ampliar em 10% a capacidade inicial de produção, a logística de abastecimento é complexa.
Ferrer explica que, por se tratar de um produto que pode se tornar "perecível" no caso de uma derrota do time brasileiro, é preferível que faltem camisas — o que deve ocorrer até a fase de quartas de final —, do que um eventual estoque ocioso pós-eliminação. A situação vem gerando um desabastecimento de lojas e sites da companhia, reduzindo o público atendido nos últimos meses.
Ian Miller, da Apex Capital, aponta que a “ruptura” na cadeia logística poderia ser considerada um alerta vermelho em outros casos, mas que a companhia tem passado confiança ao dizer que os problemas são decorrentes da alta demanda, e não de falhas em outros pontos do processo.
Para Miller, a Fisia pode não ter colocado na conta a demanda das camisas por conta do uso político visto ao longo da campanha eleitoral, o que acaba deixando um "gostinho de quero mais" na operação da Copa.
A Centauro foi procurada pela reportagem, mas não havia respondido os questionamentos até a data de publicação. O texto será atualizado assim que a empresa retornar.
Efeito Copa do Mundo?
O fluxo sazonal de receitas deve engordar o balanço do quarto trimestre, mas Ferrer e Miller não acreditam que os papéis SBFG3 devam mostrar uma reação forte, de olho apenas na Copa do Mundo.
No curtíssimo prazo, a empresa tem outras questões a serem digeridas pelo mercado. E, de acordo com Miller, nem tudo depende apenas da Centauro.
Primeiro, o cenário macroeconômico adverso pesa. Nas últimas semanas, a indefinição fiscal sobre os rumos que serão seguidos pelo governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva pesaram no mercado; se a situação persistir, é possível que Brasília fale mais alto no preço dos papéis.
A preocupação com a situação fiscal tende a pressionar a curva de juros e elevar as perspectivas futuras de inflação — dois elementos que castigam os papéis do setor de consumo e varejo.
Outro fator é que, no terceiro trimestre de 2022, a companhia reportou um impacto negativo de mais de R$ 100 milhões vindos de perdas geradas pela migração de plataforma da Fisia e consolidação de sistemas de toda a companhia, o que deixou o mercado cético.
Vale a pena investir na Centauro (SBFG3)?
Apesar de os analistas consultados acreditarem que o impacto da Copa do Mundo nos papéis é limitado devido à antecipação do mercado aos ganhos do período — e o impacto negativo gerado pelas migrações de plataforma no terceiro trimestre —, todos enxergam com bons olhos os papéis no longo prazo.
Todas as oito recomendações de analistas para as ações SBFG3 consolidadas pela plataforma Trademap são de compra, com preços-alvo que vão de R$ 31 a R$ 42 — o que indica um potencial de alta que pode variar de 87% a 153%.
O consenso parece ser de que, apesar da pressão recente nos papéis e da queda de mais de 30% no ano, a tese da Centauro é construtiva no longo prazo — e há uma janela de oportunidade agora, com um bom ponto de entrada.
“Gostamos dela [Centauro] por se tratar de uma empresa em um mercado muito pulverizado, com boa governança corporativa e a marca esportiva mais desejada do mundo em seu portfólio”, aponta Fernando Ferrer, da Empiricus.
Para ele, a companhia está se preparando para surfar o crescimento do mercado esportivo, apostando em mudanças em suas lojas físicas para potencializar a eficiência e investindo na integração de plataformas (site, app e lojas), de modo a reduzir os gargalos de oferta e tempo de espera pelos produtos.
Segundo Ferrer, o que a companhia precisa é de um trimestre limpo, sem pedras no sapato, para recuperar a confiança dos investidores — e isso pode acontecer já no quarto trimestre, com Black Friday, Copa do Mundo e Natal embalando os negócios.
E se para alguns a compra da Nike ainda é uma incógnita que pressiona os papéis, já que alguns especialistas de varejo ainda têm dúvidas sobre o tamanho da empresa dentro da holding, o analista da Empiricus acredita que a integração com a marca Centauro tem muito a agregar no futuro.
Miller, da Apex Capital, lembra que a operação brasileira da marca estava escanteada antes da aquisição e, agora, é a principal frente de crescimento para o Grupo SBF, com muito potencial de tradução em resultados melhores.
Ele também aponta que a empresa parece ter aprendido com os erros do passado. Embora o foco seja crescimento e expansão das suas marcas, a companhia não pretende voltar a ter altos níveis de alavancagem.