Em alguns meses, nos encontraremos novamente com uma Selic na casa dos dois dígitos. Como antecipamos corretamente na coluna da semana passada, o Banco Central (BC) optou por um caminho mais agressivo na condução de sua política monetária, colocando a taxa básica de juros da economia brasileira em 7,75% ao ano — e contratando adicionalmente mais uma elevação de 150 pontos-base para a próxima reunião de dezembro.
Isto é: encerraremos o ano com nossos juros de curto prazo em 9,25%.
Para quem já acompanhava o comportamento da curva de juros desde o aparente abandono da responsabilidade fiscal por parte do governo com o rompimento da regra do teto de gastos, não foi nenhuma surpresa.
Aliás, já havia gente apostando em uma alta de 1,75 p.p. na última quarta-feira. Bem, apesar de não ter sido tanto, se trata de mais um pequeno cavalo de pau em nosso Banco Central, o segundo desde o começo do ano.
Curiosamente, estamos tentando não controlar a inflação corrente, já acima de 10% nos últimos 12 meses, mas, sim, ancorar as expectativas de inflação para os anos seguintes, em especial 2022 e 2023.
O movimento se dá em um momento no qual, por mais contraditório que possa parecer, os governos regionais (sobretudo estados) acumularam mais de R$ 90 bilhões em superávits primários este ano, com a combinação de ajuda do governo federal para enfrentar a pandemia, arrecadação maior (ICMS) e menos gastos.
Abaixo, podemos ver o gráfico abaixo do BC sobre esta última ponderação:
A arrecadação não tem sido ruim em 2021, o que nos levou, inclusive, a conquistar um patamar de dívida sobre PIB da ordem de 80%, versus mais de 100% inicialmente projetado para este ano ao final de 2020. Conseguimos perder esta oportunidade de acertar o barco, infelizmente.
Claro, podemos colocar isso na conta da pandemia e da falta de sensibilidade com que medimos os impactos da reabertura no poder de compra da população.
Ainda assim, como muito bem colocou Ilan Goldfajn, presidente do conselho do Credit Suisse no Brasil e ex-presidente do Banco Central, "responsabilidade social não significa irresponsabilidade fiscal".
O teto de gastos e a sua carteira de investimentos
De fato, em um país no qual o panorama fiscal tem se provado o calcanhar de Aquiles há alguns anos, não pensar em como endereçar as questões otimizando o problema da alocação de recursos parece uma questão em si mesma.
O teto de gastos, na verdade, foi criado como uma regra rígida, porém, simples, que visava proporcionar esse instinto de alocação de capital por parte dos agentes políticos. Infelizmente, ele não sobreviveu à crise sanitária da pandemia da Covid-19.
Agora, devemos prosseguir para encerrar o ciclo de aperto monetário no primeiro trimestre do ano que vem em algo como 11,5% de Selic ao ano, ou ao redor disso.
A consequência disso é, como já temos visto, uma rotação de recursos da renda variável, que ganhou novos amantes nos últimos anos de queda dos juros, para a renda fixa. O mundo voltou a ser dos rentistas.
Naturalmente, já voltamos a ver oportunidades muito interessantes em renda fixa, nos valendo ainda da posição incoerente na qual a curva de juros está neste momento.
Ainda há, definitivamente, espaço para renda variável, até mesmo porque, como podemos ver abaixo, estamos absolutamente baratos contra os lucros das empresas projetados para os próximos 12 meses. Nesse sentido, faz sentido ainda a exposição ao prêmio de risco da Bolsa brasileira:
Contudo, ainda que seja válida a manutenção em bolsa, duas novas provocações são válidas:
- O contexto local ainda não aliviou a percepção de risco: ainda nesta semana teremos definição da PEC dos Precatórios, que não necessariamente poderá ter um desfecho positivo para o panorama fiscal, sem falar no ano eleitoral de 2022, que deverá pressionar ainda mais ativos de risco, gerando uma volatilidade quase que insuportável; e
- Lá fora estamos flertando com aperto monetário igualmente, com reunião de política monetária do Fed e do BC da Inglaterra (BoE) nesta quarta (3) e quinta-feira (4), respectivamente: um tom mais "hawkish" (contracionista de liquidez) por lá deverá atrair capital para países desenvolvidos, em um ambiente no qual emergentes são atrativos apenas pela retomada pós-pandêmica cíclica, ameaçada pela desaceleração chinesa, inflação e o consequente aperto monetário.
Selic mais alta: como ajustar a carteira?
Ou seja, qual a solução para o dilema atual?
Entendo que haja espaço para manutenção do prêmio da Bolsa de risco em nossas carteiras em até 30% do total, a depender do perfil do investidor. Paralelamente, permaneço com meus votos de manter uma posição estrutural no exterior, em moeda estrangeira e em posição internacional, em algo como 30% do total, igualmente.
Nesse sentido, faz sentido montar uma carteira com algo como 10% de caixa (Tesouro Selic, que vai render mais de 10% antes da metade do ano que vem) e outros 30% em renda fixa, em risco soberano e privado.
Nesses últimos 30%, uma combinação de títulos do tesouro indexados à inflação (IPCA+) longos (2055) e curtos (2026) com alguns títulos privados pré-fixados incentivados pagando mais de 10% ao ano para os próximos 2 ou 3 anos (não mais que 2024) me parece uma boa pedida.
Tudo isso, claro, feito sob o devido dimensionamento das posições, conforme seu perfil de risco, e a devida diversificação de carteira, com as respectivas proteções associadas.
A realidade mudou e precisamos seguir nos adaptando à ela.
Na série "Palavra do Estrategista" da Empiricus, Felipe Miranda e eu passamos nossas melhores ideias de investimentos para solidificar carteiras como esta que desenhei brevemente acima para os mais variados tipos de investidores.
Para quem se interessou, vale conferir!