A reforma tributária está oficialmente de volta aos holofotes. O ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou nesta terça-feira (21), a primeira fase de uma proposta do governo para a reforma do sistema tributário brasileiro, ao lado dos presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Uma série de propostas mais amplas devem se seguir.
Neste primeiro momento, o governo propõe a unificação das cobranças do PIS (programa integração social) e Cofins (contribuição da seguridade social), criando a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), que deverá ter alíquota de 12%, segundo o texto da proposta.
Na proposta do governo, o CBS corresponde ao chamado Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) dual, de competência federal. O ministro da Economia, Paulo Guedes, em coletiva de imprensa nesta terça-feira (21), também manifestou apoio ao IVA estadual, conteúdo previsto na PEC 45.
Em vez de enviar outra PEC ao Congresso, que já discute duas relativas à reforma tributária — uma na Câmara e outra no Senado — , Guedes esclareceu que o governo enviará outros projetos, referentes a dividendos, Imposto sobre os Produtos Industrializados e Imposto de Renda, que podem ser trabalhados e acoplados a elas.
O chefe da pasta da Economia reforçou o esforço conjunto de Câmara e Senado, que tiveram "boa vontade" com o Executivo, na apresentação do projeto e voltou a dizer que o Congresso é reformista.
A proposta do governo seguirá para discussão na Comissão Mista formada por senadores e deputados e que discute a pauta.
O projeto de unificar as contribuições do PIS e Cofins em um tributo nos moldes de um Imposto de Valor Agregado (IVA) é semelhante ao que consta tanto na proposta em discussão na Câmara quanto na do Senado. Os textos se baseiam na proposta e nota técnica formulada pelo Centro de Cidadania Fiscal.
No entanto, os textos já em análise na Comissão Especial incluem também o IPI, ICMS e ISS, de competência estadual e municipal, pelo Imposto sobre bens e consumo (IBS) e não somente os de competência federal, como o proposto pelo governo.
As próximas fases do projeto de reforma do governo devem incluir mudanças no IPI, alteração nas cobranças do Imposto de Renda de Pessoas Físicas e Jurídicas - com a tributação de dividendos -, e a criação de um novo imposto sobre pagamentos, parecido com a extinta CPMF e que encontra grande resistência no Congresso.
Fique de olho, investidor
O andamento da reforma tributária já vem mexendo com os mercados. Na semana passada, a bolsa brasileira ganhou um fôlego extra após Guedes informar que o texto seria entregue nesta terça-feira.
Para Victor Scalet, analista político da XP Investimentos, embora a reforma tributária não seja uma 'condição necessária', como era a reforma da Previdência, ela é essencial para simplicar o modelo atual de tributação, simplificando o pagamento de impostos no país.
Larissa Luzia Longo, pesquisadora do Centro de Cidadania Fiscal e do Núcleo de Tributação do Insper, explica que o atual sistema tributário brasileiro prejudica a competitividade e o crescimento, gerando grande incerteza jurídica. Para a pesquisadora, por mais que seja a positivo o governo apresentar posicionamento oficial , "uma reforma mais ampla é capaz de apresentar melhores resultados no aperfeiçoamento da tributação sobre o consumo no Brasil".
Scalet, da XP, comenta que os efeitos secundários da reforma tributária são muito difíceis de se calcular neste momento inicial, mas o ganho de produtividade e competitividade são positivos, destravando um grande potencial de crescimento econômico no médio e longo prazo. Além disso, em um primeiro momento o mercado financeiro vê o avanço das conversas em torno de uma reforma tributária como um sinal de que governo e Congresso estão trabalhando para seguir com as reformas necessárias, principalmente para os investidores estrangeiros, que acompanham de perto o status das reformas estruturais.
O analista ainda ressalta que nesta próxima fase, os setores que acreditam que serão mais impactados de forma negativa devem batalhar para alterar a proposta e não vê a pauta sendo aprovada nas duas casas em 2020. Scalet ressalta que embora ainda não seja possível apontar os ganhadores e perdedores da proposta, a tendência é que o setor industrial observe uma tributação menor e a carga tributária aumente no setor de serviços.
Para Conrado Magalhães, analista político da Guide Investimentos, deve surgir a resistência de setores da economia que saem perdendo com a proposta apresentada pelo governo. Ele também pontua que o ideal seria um IVA que unificasse mais tributos, mas disse que o movimento é positivo e demonstra que o governo está comprometido com as reformas.
Enquanto isso, o mercado também fica de olho na proposta do governo sobre a taxação dos dividendos, que deverá acontecer nas próximas fases. "Estima-se que a tributação de dividendos seja de 15%, trazendo impactos nos investimentos", diz Alamy Candido, advogado tributarista, sócio do Candido Martins Advogados. "Para quem investe em ações, a preocupação de que os lucros passarão a ser tributados pode ser inicial, mas se a medida em si melhorar economia os lucros poderão ser maiores, o que minimizaria os efeitos da tributação."
Divergências
Nas últimas semanas, antes mesmo do ministro Paulo Guedes confirmar o envio da proposta, diversos ruídos políticos movimentaram a pauta e muito se falou sobre a possibilidade de se criar um tributo similar a CPMF, incidindo sobre pagamentos eletrônicos.
Enquanto Guedes e Alcolumbre se mostraram favoráveis, Rodrigo Maia se colocou contra a proposta. Em evento realizado pela XP Investimentos na semana passada, Guedes voltou a defender uma tributação com base mais ampla, como a do comércio eletrônico, mas negou se tratar de uma nova CPMF.
A apresentação fatiada da reforma tributária também é uma forma de não gastar capital político com temas desgastantes e que podem ser de difícil consenso. No mesmo evento, o ministro justificou a escolha por começar a reformar em um ponto comum ao que já vem sendo discutido na Comissão Especial. “Se começarmos sobre o que nos desune, a reforma tributária vai acabar antes de começar” . A criação do novo imposto deve ser encaminhado nas fases seguintes da reforma tributária.
Conheça as duas outras propostas já em discussão em Brasília e que servem de base para a proposta do governo.
Proposta da Câmara - PEC 45/2019
A PEC 45/2019 discutida na Câmara dos Deputados é a mais antiga das três propostas e está em tramitação desde abril de 2019, tendo sido apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-BA).
A principal inovação é a simplificação de cinco impostos em um, sendo três impostos federais - imposto sobre produtos industrializados (IPI), contribuição da seguridade social (Cofins), programa integração social (PIS) -, um estadual -, imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) (estadual) e o imposto sobre serviços (ISS). Os tributos passariam a constar no imposto sobre bens e serviços (IBS).
O IBS foi moldado como um imposto de valor agregado (conhecido como IVA) e já implementado em mais de 160 países. Segundo a proposta, o IBS incidirá sobre a produção e consumo de bens e serviços, com característica não-cumulativa. A arrecadação do tributo será dividida entre União, estados e municípios, com cada ente federativo livre para reajustar a sua parcela da alíquota. Em casos de transações entre estados e municípios, vale a alíquota do local de destino. A produção não é tributada.
A PEC 45 ainda prevê a criação de um imposto seletivo, que também incide sobre bens e serviços, mas que só incide sobre produtos específicos, como bebidas alcóolicas e cigarro. Neste caso, a receita é de competência federal. O texto prevê duas regras de transição para a implantação do sistema. A primeira, com duração de 10 anos é relativa à substituição dos impostos. A segunda regra de transição diz respeito à repartição das receitas e levaria 50 anos. Durante os vinte primeiros anos a receita atual é mantida, corrigida pela inflação. Nos trinta anos restantes o valor arrecadado com o IBS é destina ao estado ou município de destino.
Proposta do Senado - PEC 110/2019
A proposta do Senado propõe a criação de dois impostos do tipo IVA, o mesmo modelo que serve de base para o texto da Câmara e do governo, e é baseada no relatório do ex-deputado federal Luiz Carlos Hauly, de 2018.
Com a PEC 110/2019, deixariam de existir o IPI, imposto sobre operações financeiras (IOF), programa integração social (PIS), programa de formação do patrimônio do servidor público (Pasep), contribuição para o financiamento da seguridade social (Cofins), salário-educação e CIDE-Combustíveis - de competência federal -, imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) - de competência estadual -, e o imposto sobre serviços (ISS) - municipal.
Os dois novos impostos criados também incidiriam sobre bens e serviços. O IBS seria de competência estadual, enquanto o imposto seletivo sobre bens específicos - como combustíveis, álcoolicos, cigarros, telecomunicações e energia elétrica - seria de competência federal. Para definir quais serão os produtos afetados pelo imposto seletivo, será preciso uma nova lei estadual.
O IBS, embora de competência estadual será administrado por uma associação independente de fiscos estadual. A proposta do Senado também prevê a extinção de mais um tributo - o CSLL, que passaria a fazer parte do Imposto de Renda, com as ampliações das alíquotas do IR.
Nesta proposta, o período de transição é dividido em três etapas e terá duração total de 15 anos, quando os dois modelos co-existirão durante um tempo antes do desaparecimento total do antigo sistema.
*colaborou Felipe Saturnino