Calibrando expectativas
Qualquer semelhança não é mera coincidência. Enquanto nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump está ansioso para fechar um acordo comercial com a China e tenta convencer sobre a necessidade de construir um muro na fronteira com o México; o presidente Jair Bolsonaro pediu sintonia fina aos ministros, após os desencontros e ruídos recentes, e o governo já prepara a reforma da Previdência.
Em ambos os casos, os chefes de Estados buscam calibrar as expectativas do mercado financeiro e da opinião pública, de modo a animar o comportamento dos ativos de risco e de manter o sucesso até o fim do mandato. Mas o investidor sabe que é preciso muito mais do que palavras para manter a confiança.
Na Casa Branca, Trump ainda não conseguiu explicar como trocou a promessa de campanha de fazer o vizinho latino pagar pelo muro por uma situação que paralisa as atividades públicas (shutdown) há três semanas, até que o governo consiga verba para a obra. Ontem, em um pronunciamento à nação, ele disse que a construção do muro é uma questão de “crise humanitária”.
O discurso foi uma tentativa de convencer os cidadãos americanos de que o muro é fundamental para a segurança da população. Mas Trump trava uma queda de braço no Congresso pelo financiamento da obra e a situação interna dele também pode se complicar, agora que os democratas assumiram a Câmara dos Representantes e ameaçam avançar em investigações que podem resultar em uma crise institucional.
Riscos dentro e fora de casa
Trump também tem falado sobre o progresso nas negociações com a China, que avançam para um terceiro dia hoje, mas ainda sem sinais de um acordo mais duradouro. A fala de Trump ontem, de que as conversas estão “indo muito bem”, ajudou a sustentar essa expectativa.
Mas o tom duro de Pequim, dizendo que “seria bom” os norte-americanos não pressionarem os chineses, mostra que um desfecho ainda parece estar distante. Para o governo comunista, a cooperação mútua é a única opção e deve ocorrer à luz das mudanças que ocorreram nos dois países e no mundo nas últimas décadas.
Com isso, prevalece a sensação de que as relações EUA-China devem piorar, ao invés de melhorar, uma vez que as duas maiores economias do mundo divergem muito mais do que apenas na questão do comércio. Tecnologia, política industrial e até mesmo o Sul do Mar da China são pontos de tensão.
Afinal, o encontro com a delegação norte-americana não tem sido tão amistoso quanto a recepção do presidente chinês, Xi Jinping, ao líder norte-coreano, Kim Jong Un. É a primeira visita dele à China neste ano, onde fica até amanhã, antes de se encontrar novamente com Trump e o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, em breve.
Assim, a disposição de Trump tanto para fechar um acordo com Pequim quanto para encerrar o shutdown é motivada, em grande parte, por seu desejo de que os mercados financeiros se recuperem. As declarações (e ações) do presidente sinalizam que o governo dos EUA está desesperado por um resultado rápido.
Nos mercados...
Os investidores sabem que o presidente norte-americano está preocupado com o mercado financeiro e tentam manter o otimismo entre os ativos, embora ainda não saibam como Trump irá fazer para impulsionar os negócios com risco. Ainda assim, o sinal positivo volta a prevalecer nas bolsas.
As praças asiáticas fecharam a sessão com ganhos firmes, de até 2% em Hong Kong, os índices futuros das bolsas em Nova York amanheceram no azul, o que indica uma sessão de alta na Europa. A espera por progresso na questão comercial também embala as moedas, com o dólar estável favorecendo as commodities.
O barril do petróleo tipo WTI volta à faixa de US$ 50, ao passo que o yuan chinês (renminbi) é cotado no maior nível em pouco mais de três meses em relação à moeda norte-americana, abaixo de 6,85 por dólar. Nos bônus, o juro projetado pelo título dos EUA de 10 anos (T-note) segue estável, ao redor de 2,7%.
Promessa é dívida
Já no Brasil, durante reunião a portas fechadas ontem, que durou quase três horas, Bolsonaro disse que, para o governo ter êxito, é preciso ter unidade. E isso inclui que seus ministros estejam alinhando suas ações às promessas de campanha.
Ou seja, o maior risco é o governo decepcionar as elevadas expectativas criadas durante o processo eleitoral. Por isso, trouxe certo desconforto ontem a notícia de promoção do filho do vice-presidente Hamilton Mourão, que fez ressurgir o ruído com as movimentações bancárias atípicas envolvendo um dos filhos do presidente.
Afinal, o filho do Mourão, funcionário de carreira do Banco do Brasil, foi promovido um dia depois de Bolsonaro dizer que, pela primeira vez, os bancos públicos foram blindados de nomeações políticas. Aliás, no mesmo dia da promoção, as filhas e a esposa do ex-assessor de Flavio Bolsonaro não foram depor na Justiça.
Cientes de que esses ruídos podem causar estrago maior do que em outros tempos, a equipe econômica tratou de soltar mais um balão de ensaio. Segundo o ministro Paulo Guedes, a proposta de reforma da Previdência será apresentada no mês que vem e terá um regime de capitalização.
Nele, o trabalhador faz uma poupança para assegurar a aposentadoria no futuro. O atual regime é de repartição, pelo qual o trabalhador ativo paga os benefícios de quem está aposentado. Para Guedes, trata-se de uma reforma “profunda”, capaz de acelerar o crescimento econômico e “estimular” o aumento da produtividade.
As declarações foram feitas ontem, após um encontro do ministro com o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, para discutir a proposta. E a versão diferente da proposta light pretendida por Bolsonaro para renovar o ânimo do mercado financeiro doméstico, por ora.
Ata do Fed em destaque
A agenda econômica desta quarta-feira é mais relevante no exterior. O destaque do dia fica com a ata da reunião de dezembro do Federal Reserve, que será publicada perto do fechamento do pregão doméstico, às 17h.
O investidor espera encontrar, no documento, razões que levaram o Fed a manter a previsão de mais dois aumentos na taxa de juros norte-americana neste ano, contrariando a expectativa de que haveria uma interrupção no ciclo de alta.
Ainda assim, o documento deve ser visto pelo retrovisor. Afinal, o tom suave (“dovish”) na fala do presidente do Fed, Jerome Powell, na semana passada, aliviou o temor quanto a uma postura mais dura (“hawkish”) na política monetária.
Amanhã, “Jay” volta a discursar e os investidores irão observar se o comandante do Fed irá manter a possibilidade de flexibilizar o aperto dos juros em 2019. Ainda no calendário norte-americano, saem os estoques de petróleo bruto e derivados (14h).
No fim do dia, a China publica os números de dezembro da inflação ao consumidor (CPI) e a produtor (PPI). No Brasil, logo cedo (8h), saem indicadores regionais dos preços no varejo e dados antecedentes sobre o mercado de trabalho.
Apetite externo
Ainda na agenda doméstica, o Banco Central divulga (12h30) os primeiros números de 2019 sobre a entrada e a saída de dólares no país. Os dados podem mostrar o apetite do investidor estrangeiro pelos ativos locais, após a mudança de governo.
Por ora, os “gringos” estão menos otimistas que os investidores locais quanto ao andamento da agenda liberal do governo Bolsonaro. A expectativa é de que os recursos externos definam a trajetória em relação ao Brasil apenas após o fim do recesso legislativo, em fevereiro.
Só aí, será possível medir o apoio do Congresso às reformas econômicas. A partir desse momento, espera-se que haja algum avanço concreto para melhorar as contas públicas, com o governo entregando medidas com chances reais de aprovação e mantendo elevando o sentimento no mercado financeiro.
Até lá, a posição técnica nos ativos locais pode se deteriorar. Sem a entrada de dinheiro novo, a demanda por dólar para montar defesa (hedge) pode enfraquecer o real, penalizando o desempenho da Bolsa brasileira. Ao mesmo tempo, porém, os juros baixos (Selic) têm um papel importante para evitar uma piora acentuada aqui.
Tudo, então, vai depender do cenário político em Brasília e do ambiente externo para os países emergentes, com o mercado financeiro doméstico oscilando ao sabor do noticiário no curto prazo.
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