Muitos analistas e gestores estão pessimistas ou neutros em relação ao desempenho da economia dos Estados Unidos nos próximos meses. Entretanto, esse sentimento não se estende ao mercado acionário. O dólar dá sinais de tendência de fraqueza, mas o S&P 500 está renovando recordes.
Diante da dicotomia que se apresenta sobre o cenário norte-americano, Howard Marks, cofundador da Oaktree Capital, avalia este momento em seu novo memorando. O texto publicado na quarta-feira (13) inspira o questionamento do momento: há uma bolha na bolsa dos EUA?
Segundo Marks, para responder essa pergunta, primeiro é necessário compreender “o cálculo do valor” — não por acaso, este é o título do memorando do mês.
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O vai e vem dos mercados nos EUA
Para Marks, o sentimento predominante no momento é o otimismo, com pitadas de desapontamentos pelo caminho — mas não o suficiente para aplacar a euforia.
O gestor começa traçando um paralelo entre o mercado norte-americano ao fim do ano passado e agora. No final de 2024, o S&P 500 já estava caro: o múltiplo preço sobre lucro (P/L) era de 23 vezes, muito acima da média histórica de 15 vezes.
Em paralelo, o JP Morgan mostrava que comprar o índice com esse múltiplo os retornos eram baixos. Dados do período entre 1987 e 2014 indicavam um retorno médio anual entre -2% e +2% nos dez anos seguintes — ou seja, um mau presságio.
“Concluí no meu memorando de janeiro que isso era problemático, mas não ameaçador, principalmente porque a mania temporária ou 'exuberância irracional' que acredito acompanhar — ou dar origem a — a maioria das bolhas não estava presente”, diz Marks no texto.
Então vieram algumas tempestades. Os balanços do quarto trimestre de 2024 mostraram um “desempenho econômico e corporativo pouco espetacular”, seguido pelo “Dia da Libertação” de Donald Trump, com o anúncio das tarifas de importação.
Os investidores concluíram rapidamente que as tarifas fariam a inflação acelerar, o crescimento econômico diminuir e os EUA serem mau vistos por países e investidores ao redor do mundo.
O resultado foi uma queda acentuada no S&P 500, levando-o a um nível 15% menor em relação ao final de 2024. Os investidores em títulos também reagiram, exigindo uma taxa de 4,5% na Treasury de 10 anos, acima dos 4% de antes do anúncio da tarifa.
Mas isso não durou. Desde o ponto mais baixo do S&P 500, em 8 de abril, o índice já subiu 29% até o final de julho, acumulando uma alta de 9% no ano. O que Marks chama de “rali de alívio".
Os otimistas e o S&P 500
O gestor acredita que a visão geral é de um cenário tarifário “menos ruim” do que se temia na época dos anúncios originais, de abril.
Além disso, afirma que os investidores têm expectativas em relação a algumas bandeiras do governo Trump. Corte de impostos e investimentos internos, tratamento favorável às empresas, e o potencial da inteligência artificial de aumentar produtividade e lucros.
Entretanto, para Marks, o cenário é preocupante.
Os preços das ações subiram mais que a expectativa de lucro das empresas, deixando o múltiplo P/L menos atraente do que no fim de 2024. O gestor também destaca uma análise da Bloomberg que afirma que as ações do S&P 500 estão avaliadas em mais de 3,3 vezes as vendas das empresas — um recorde histórico.
Em paralelo, os spreads (diferença nas taxas dos títulos corporativos em relação aos títulos do Tesouro) estão próximos das mínimas históricas, sugerindo elevada tolerância ao risco.
Marks oferece várias explicações para o otimismo dos investidores frente aos retornos "líquidos negativos".
“Quando estão otimistas, os investidores têm a capacidade de interpretar acontecimentos ambíguos de forma positiva e ignorar os negativos”, escreve o gestor.
E acrescenta que racionalizações surgem para manter os mercados em alta — hoje em dia, é a sigla "TACO", que significa "Trump Always Chickens Out" (Trump sempre se acovarda).
“A sugestão é que suas ameaças mais fortes – e alguns dos piores temores dos investidores – não se concretizarão”, diz Marks.
Junto a isso estão outros dois fatores: faz mais de 16 anos desde a última correção de mercado sustentada nos EUA, levando a uma falsa sensação de segurança para investidores mais jovens; e o medo de ficar de fora (Fomo) de um rali supera a preocupação com o risco de retornos baixos ou perdas.
Confia, vai dar certo
Segundo o gestor, em todo mercado de alta surge uma "justificativa" para os preços esticados, frequentemente na forma do clichê "dessa vez é diferente".
A tese atual diz que as empresas do S&P 500 de hoje crescem mais rápido, são menos cíclicas, exigem menos capital incremental e têm "fosso" competitivo mais forte. Esse combo justificaria os P/Ls mais altos.
Marks reconhece que esta explicação "faz todo o sentido" e que, de fato, "20% das vezes as coisas realmente são diferentes".
O gestor não acredita que o S&P 500 vive uma nova bolha ou esteja próximo disso, mas alerta para duas coisas que os investidores devem ter em mente:
- os impactos significativos que a inteligência artificial (IA) deve ter no mundo,
- a possibilidade de que seja “diferente” para algumas empresas – não todas, nem a maioria.
No memorando, Marks cita John Maynard Keynes: "O mercado pode permanecer irracional por mais tempo do que você pode permanecer solvente". E afirma que é correto esperar que o preço se mova em direção ao valor, mas é imprudente apostar que isso acontecerá em breve.
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Bônus: o cálculo do Valor
Como bônus, o renomado investidor explica em sua análise que o valor de um ativo, também conhecido como "valor intrínseco", é subjetivo e deriva de seus fundamentos.
Os fundamentos de uma empresa, por exemplo, incluem seus lucros atuais e futuros, a estabilidade de seus ganhos, o valor de mercado de seus ativos, a habilidade da gestão, o potencial de novos produtos e a força de seu balanço.
Em última análise, a totalidade dos fundamentos de um ativo é a fonte de seu valor.
Entretanto, o conceito mais importante para Marks é: enquanto o valor pode ser teórico, calcado em uma análise quantitativa ou qualitativa, o preço é concreto: é o montante que se paga para obter algo.
“Em última análise, investir bem se resume a estimar o valor [de um ativo] adequadamente e comprá-lo a um preço razoável”, escreve.
O gestor afirma que aprendeu na academia que o preço justo de um ativo é o valor presente descontado de seus fluxos de caixa ou lucros futuros. No entanto, a "vida real" lhe mostrou que o preço é moldado pelas opiniões e atitudes subjetivas dos investidores sobre o valor do ativo e seu poder de ganho.
E isso é muito importante, porque a psicologia do investidor desempenha um papel crucial nas negociações em mercado.
“Quando a maioria dos investidores está otimista, eles fazem o preço subir e potencialmente ultrapassar o valor. E quando os pessimistas reinam, eles fazem o preço cair e potencialmente ficar abaixo do valor”, escreve Marks.