A Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu, em um parecer consultivo, a obrigação de os países responderem à emergência climática como um direito internacional.
Para os países signatários da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos, como o Brasil, a decisão deverá orientar os tribunais em litígios climáticos — ações judiciais ou processos legais em que indivíduos, organizações, governos ou empresas são processados ou processam outros, tendo como foco principal questões relacionadas às mudanças climáticas.
O número de litígios climáticos tem aumentado anualmente em 60 países, incluindo o Brasil. A constatação é do relatório Tendências Globais em Litígios sobre Mudanças Climáticas: Panorama de 2025, divulgado no final de junho pela London School of Economics.
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Desde 1986, foram judicializados 2.967 processos relacionados a questões climáticas. Em 2024, foram 226 novos casos de litígio climático.
De acordo com o levantamento, o Brasil aparece como o quarto país com maior número de litígios climáticos, somando 131 casos registrados até o fim de 2024. Deste total, no entanto, aproximadamente 76% foram peticionados nos últimos 5 anos, demonstrando o rápido crescimento desse tipo de judicialização.
São ações que buscam majoritariamente compensações por danos climáticos locais, como o desmatamento, por exemplo.
Empresas na mira das cortes internacionais
O relatório da LSE aponta ainda que 80% dos processos que chegam a uma corte superior são contra o Estado. No entanto, os que mais são julgados procedentes são contra empresas ou seus executivos, de diversos setores da economia.
No caso da agropecuária e das indústrias associadas de alimentos e varejo, por exemplo, mais de 40 processos foram ajuizados entre 2010 e o fim de 2024, a maioria nos Estados Unidos e no Brasil, dois dos maiores players mundiais no setor.
Entre os processos de destaque de 2024, figura People v. JBS USA Food Co. Neste caso, a Procuradoria-Geral de Nova York acusou a brasileira JBS de violar a lei de proteção ao consumidor. A alegação central foi que a empresa enganou o público a respeito do impacto ambiental de seus produtos, principalmente ao declarar um compromisso de ser "net zero até 2040", sem, contudo, incluir as emissões de escopo 3 (dos fornecedores de sua cadeia produtiva) nesse objetivo.
Embora o caso tenha sido arquivado inicialmente, a Procuradoria conseguiu permissão para apresentar uma nova petição. Segundo o relatório, esse processo pode indicar um esforço crescente de governos subnacionais dos EUA no combate à desinformação climática do setor agropecuário, espelhando ações já tomadas contra a indústria de combustíveis fósseis.
Impactos da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos
Segundo Romina Picolotti, fundadora do Center for Human Rights and Environment (organização sem fins lucrativos), a nova orientação tem potencial para elevar a quantidade de litígios climáticos. Tais disputas devem ocorrer, sobretudo, contra Estados, e podem influenciar o nível de ambição climática das nações impactadas pela decisão.
“Há uma responsabilidade muito importante aqui, e me parece que isso poderia gerar uma série de ações judiciais e administrativas. Um pedido, por exemplo, ao Poder Legislativo para aderir a uma legislação não regressiva”, afirmou Picolotti, referindo-se à necessidade de haver normas ambientais e climáticas que não podem retroceder ou ser flexibilizadas, mantendo a proteção ambiental e os direitos adquiridos.
De acordo com a ambientalista, isso ocorre porque, não apenas o Poder Judiciário, mas todos os atores do Estado precisam alinhar suas ações com as obrigações em relação à Convenção Interamericana e outros tratados de direitos humanos.
Na prática, Romina Picolotti diz que isso levará ao entendimento de que mudanças na política pública, na legislação ambiental ou em decisões administrativas que possam agravar a emergência climática ou que sejam contrárias à obrigação de enfrentamento ao problema global passarão a ser compreendidas juridicamente como uma violação aos direitos humanos.
“A obrigação de legislar de forma que o Estado não seja posteriormente condenado pela execução de uma lei aprovada por legisladores me parece algo muito importante neste momento, em que o Brasil debate questões de enfrentamento à mudança do clima”, complementa.
De acordo com Romina Picolotti, esse crescimento acaba gerando a necessidade da criação de novas orientações jurídicas, marcos legais e de capacitação dos sistemas judiciários dos países.
“O litígio climático, antes de mais nada, é um processo de interesse público que busca resolver uma situação de emergência e põe em risco a existência da humanidade se não for resolvida. Nunca antes, os tribunais e a humanidade enfrentaram um desafio desta natureza. Por isso, tudo é diferente. O dano é diferente, a relação de causalidade, as provas. Então, é necessário uma modernização e adaptação jurídica para julgar estes casos a fim de proporcionar justiça climática”.
*Com informações da Agência Brasil