O Drex deixou para trás a rota das criptomoedas e do blockchain — tecnologia que registra e valida informações em rede descentralizada, sem um único controlador — para, ao menos por enquanto, mirar exclusivamente nas operações de crédito de grandes instituições brasileiras.
A mudança, sinalizada na semana passada, adia a tokenização ampla de ativos e antecipa uma versão simplificada para o segundo semestre de 2026, com objetivo único: permitir que ativos como ações e títulos sejam usados como garantia em operações de crédito, mesmo que estejam registrados em diferentes instituições.
Em entrevista ao Valor, o coordenador do Drex, Fabio Araujo, confirmou que o componente blockchain será descontinuado devido a entraves de escalabilidade e privacidade.
O Banco Central (BC) agora aposta no desenvolvimento de uma solução mais enxuta — embora ainda não haja posicionamento oficial por escrito, membros da autarquia vêm reforçando essa linha em eventos e apresentações públicas.
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Duas fases
O novo desenho do Drex divide o projeto em duas etapas. No curto prazo, o sistema será lançado sem DLT (Distributed Ledger Technology), priorizando a reconciliação de gravames — processo que permite usar um mesmo ativo como garantia de crédito mesmo quando registrado em diferentes sistemas, como corretoras e bancos.
Já no longo prazo, a ambição é amadurecer e integrar tecnologias de registro distribuído e privacidade.
A primeira entrega, prevista para o segundo semestre de 2026, deve criar uma infraestrutura capaz de identificar e liberar ativos como garantias em operações de crédito, conectando múltiplas instituições.
A ideia e a realidade
O Drex, inicialmente batizado de Real Digital, começou a ser desenhado em 2021. A proposta inicial previa uma arquitetura em duas camadas:
- Camada atacadista: ambiente exclusivo para transações entre participantes autorizados, ou seja, instituições financeiras reguladas operando nós em uma rede controlada pelo Banco Central.
- Camada varejista: depósitos bancários tokenizados emitidos por essas instituições aos clientes finais.
A promessa era destravar novos produtos e serviços com contratos inteligentes e ativos tokenizados, criando um ecossistema em torno de dinheiro digital programável e de ativos digitais no sistema financeiro brasileiro.
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Hoje, o foco imediato é bem menos disruptivo, melhorar a infraestrutura para concessão de crédito.
Para o cidadão comum, pouco muda no dia a dia. Para o sistema financeiro, o ganho esperado é de eficiência. O projeto envolveu os maiores bancos do país — Itaú, BTG Pactual, Santander e Bradesco — e gigantes de tecnologia como Microsoft, AWS e Google.
No início, os casos de uso testados incluíram a tokenização da dívida pública, com expansão futura para financiamentos comerciais, liquidação interbancária e tokenização de recebíveis.
Mas o piloto logo esbarrou em um dilema: garantir privacidade compatível com a Lei Geral de Proteção de Dados, sem abrir mão da visibilidade total exigida pelo BC.
A fase 1 terminou com um relatório apontando a necessidade de “grande adaptação” para que o Drex se tornasse infraestrutura central. A fase 2, iniciada neste ano, manteve os testes de privacidade, mas até as soluções mais promissoras foram consideradas insuficientes para implementação em larga escala sem rodadas adicionais de validação.
Além disso, outros fatores pesaram na decisão do Banco Central de abandonar o blockchain.
A atenção à segurança redobrou após o ataque hacker em julho que resultou no desvio de quase R$ 1 bilhão. Já a troca de comando do BC, com a saída de Roberto Campos Neto e a chegada de Gabriel Galípolo deu um novo perfil à instituição.
O Drex de Galípolo
Desde que assumiu a presidência do BC, no início de 2025, Galípolo vem suavizando o discurso sobre o Drex como CBDC.
“Por que não falo mais de DLT? Porque estamos cada vez mais claros que a tecnologia precisa ser agnóstica. Queremos resolver um problema. Qual problema precisamos resolver? E qual tecnologia disponível e mais adequada resolverá esse problema?”, questionou no evento Blockchain Rio.
O presidente do BC também destacou que, diferentemente de modelos convencionais de CBDC, que substituem depósitos bancários por passivos do banco central, o Drex foi desenhado para complementar o sistema monetário atual, com foco em destravar crédito — mecanismo importante com a alta da Selic.
“O Drex é cada vez mais uma solução, independentemente da tecnologia usada, que visa facilitar a colateralização de ativos e reduzir atritos nas transações via tokenização e contratos inteligentes”, afirmou.
*Com informações da Forbes