Herança é talvez o assunto financeiro que mais suscita dúvidas entre os brasileiros. Até porque mesmo quem não é investidor muitas vezes tem imóvel ou uma poupancinha para deixar para os entes queridos após sua partida.
Ao mesmo tempo, ninguém gosta de pensar na própria morte, mas o brasileiro, em especial, é bastante avesso a planejar a transmissão do seu patrimônio aos futuros herdeiros para evitar o assunto.
Mas se tem algo que todo mundo deveria conhecer são as regras gerais de transmissão de bens e partilha de herança, até para não cometer erros que possam se transformar em dor de cabeça para a família no futuro.
Além disso, com um conhecimento razoável da legislação, quem tem algum patrimônio pode também optar por fazer um planejamento sucessório, reduzindo os custos com inventário e impostos ou ao menos garantindo que a família terá acesso a recursos para arcar com essas despesas após sua morte.
A seguir, damos um panorama geral sobre as principais regras sobre herança no Brasil e falamos sobre alguns mitos e verdades em torno do tema.
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As regras gerais da transmissão de bens como herança
Todo brasileiro tem direito de transmitir seus bens aos herdeiros após sua morte. E o Código Civil estabelece que ao menos metade do patrimônio da pessoa falecida – a chamada legítima – deve obrigatoriamente ficar para os seus herdeiros necessários, também chamados de herdeiros obrigatórios.
Os outros 50% constituem a parcela disponível do patrimônio, a qual o autor da herança pode destinar a quem quiser – ainda em vida, é claro, por meio de doações ou mesmo um testamento.
A parcela disponível possibilita, por exemplo, deixar uma herança maior para um dos filhos ou uma soma para alguém que não seja herdeiro necessário – por exemplo, um sobrinho, um funcionário ou um amigo.
Caso o autor da herança não tenha estabelecido o destino da parte disponível do seu patrimônio, ela também será dividida igualmente entre os herdeiros necessários, assim como a legítima.
Os herdeiros necessários e a ordem de sucessão, pela Lei brasileira, são os seguintes:
- Descendentes: filhos, netos e bisnetos, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, se houver;
- Ascendentes: se não houver descendentes, pais, avós e bisavós, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, se houver;
- Apenas o cônjuge, se não houver descendentes nem ascendentes.
Caso a pessoa falecida não deixe descendentes, ascendentes ou cônjuge, seus bens são destinados aos chamado colaterais, isto é, irmãos, sobrinhos e tios.
Cônjuge é sempre herdeiro? Os regimes de bens e as regras de herança
O papel do cônjuge na sucessão é o que mais levanta dúvidas, pois depende do regime de bens do casamento, do tipo de bem deixado (se comum ou particular) e de o falecido ter deixado descendentes ou não.
O regime padrão de casamento no Brasil – aquele que é designado automaticamente quando o casal não faz um acordo antenupcial – é o de comunhão parcial de bens.
Neste regime, os bens adquiridos pelos cônjuges antes do casamento são os chamados bens particulares, o que significa que eles não são partilhados em caso de divórcio.
Já os bens adquiridos a título oneroso (com recursos frutos do trabalho) na constância da união, por um dos cônjuges ou ambos (independentemente da contribuição financeira de cada um), são considerados bens comuns do casal.
Considera-se que cada cônjuge tem direito à propriedade de metade dos bens comuns, a chamada meação. Assim, em caso de divórcio, os bens comuns devem, a princípio, ser partilhados meio a meio.
Bens adquiridos durante o casamento com recursos, por exemplo, de doação ou herança de um dos cônjuges não configuram bens comuns, uma vez que não foram adquiridos de forma onerosa. Assim, também entram no grupo dos bens particulares de quem os adquiriu.
Alternativamente, os casais podem fazer um pacto pré-nupcial para definir um regime diferente da comunhão parcial de bens. Os mais comuns são o da separação convencional de bens e a comunhão total (ou universal) de bens.
Na separação convencional, não há bens comuns, apenas bens particulares. Assim, cada cônjuge é dono apenas dos bens que adquiriu, de forma onerosa ou não, antes ou depois da união.
Os bens comprados com a contribuição dos dois cônjuges pertencem a ambos, mas na proporção que cada um pagou, em regime de condomínio. Assim, em caso de divórcio, cada um vai para o seu lado com a sua parte do patrimônio.
Já na comunhão universal, todos os bens de ambos os cônjuges são comuns, tenham sido eles adquiridos antes ou durante a união, de forma onerosa ou não. Cada um é dono da metade de todo o patrimônio do casal e, no divórcio, tudo é partilhado igualmente.
Existe ainda a separação obrigatória de bens, aplicada automaticamente em casamentos que envolvem maiores de 70 anos, a menos que eles optem expressamente, em escritura pública, por outro regime. Ela segue as mesmas regras da separação convencional, exceto em relação à herança, como veremos a seguir.
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Como o regime de bens afeta a herança
Na separação obrigatória de bens, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário. Mas na separação convencional, o cônjuge sobrevivente é sempre herdeiro necessário, concorrendo pelos bens particulares do falecido com os descendentes ou, na ausência destes, com os ascendentes.
Pelo menos, essa é a regra vigente por enquanto. No Congresso tramita uma proposta de alteração do Código Civil que prevê que o cônjuge sobrevivente num regime de separação convencional deixe de ser herdeiro necessário, mas ainda não houve aprovação.
Já nos regimes de comunhão parcial e universal de bens, o cônjuge sobrevivente sempre tem direito, automaticamente, à sua parte nos bens comuns, a meação.
A diferença é que na comunhão parcial a meação corresponde apenas à metade dos bens adquiridos na constância da união e pode haver bens particulares; já na comunhão universal, a meação corresponde à metade de todos os bens do casal, não havendo bens particulares.
Para além da meação, o cônjuge sobrevivente, nesses regimes, pode ainda ser herdeiro necessário. Mas a parte do patrimônio deixado pelo falecido à qual ele tem direito depende de haver descendentes ou não.
Por exemplo, caso o falecido não tenha descendentes, o cônjuge sobrevivente é sempre herdeiro necessário em concorrência com os ascendentes (caso ainda sejam vivos), independentemente do regime de bens adotado pelo casal.
Assim, na comunhão universal, o sobrevivente tem direito à metade dos bens do casal (meação) e concorre como herdeiro com os ascendentes pela outra metade (se houver dois ascendentes vivos, por exemplo, cada herdeiro ficará com um terço dessa outra metade).
Na comunhão parcial, o sobrevivente tem direito à metade dos bens comuns (meação) e concorre como herdeiro com os ascendentes tanto pela outra metade dos bens comuns quanto pelos bens particulares (se houver).
Agora, se o falecido tiver deixado descendentes, a regra muda um pouco.
Na comunhão universal, o cônjuge sobrevivente terá direito apenas à sua meação, não concorrendo com os descendentes como herdeiro pela outra metade do patrimônio. Ou seja, é apenas meeiro e não herdeiro.
Já na comunhão parcial, ele também será apenas meeiro, sem concorrer com os descendentes pela outra metade dos bens comuns. Ele concorrerá como herdeiro com os descendentes apenas pelos bens particulares, se existirem. Ou seja, é meeiro e pode também ser herdeiro.
Para não haver confusão no raciocínio, vale lembrar que, quando o cônjuge sobrevivente tem direito a meação, a parcela correspondente à herança é somente o restante. Ou seja, a legítima é a metade da herança, isto é, 50% do restante do patrimônio, excluída a meação do cônjuge sobrevivente.
Companheiro em união estável é herdeiro?
Quando o casal tem um contrato de união estável, com regime de bens estabelecido, as regras de sucessão seguem aquelas do regime de bens escolhido, inclusive para fins de herança. Ao menos este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito.
Já no caso daqueles que apenas “juntam as escovas de dente”, mantendo uma união estável informal, sem qualquer tipo de documento de formalização, a Justiça tende a seguir a regra do regime de comunhão parcial de bens, uma vez que é este o adotado nessas situações em caso de separação do casal.
Segundo Caroline Pomjé, advogada da área de Direito de Família e Sucessões do escritório Silveiro Advogados, não há uma segurança jurídica absoluta a esse respeito, uma vez que o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não se manifestou sobre o tema.
No entanto, diz ela, o entendimento da doutrina e da jurisprudência, inclusive em casos que chegaram ao STJ, é de seguir as regras de herança da comunhão parcial.
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Posso excluir um filho da herança? Veja quando é possível deserdar alguém
Essa é uma dúvida muito comum em famílias em que há conflitos sérios entre pais e filhos, mas não, não é possível excluir filhos ou quaisquer outros herdeiros necessários da legítima em situações, digamos, mais normais.
Existem, no entanto, algumas situações graves em que pode sim ocorrer a deserdação, mas que devem ser comprovadas. De acordo com o artigo 1.814 do Código Civil atual, são excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários que:
- Tiverem sido autores, coautores ou tenham participado de homicídio doloso (ou tentativa) contra o autor da herança, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
- Tiverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou tiverem incorrido em crime contra a sua honra, a do seu cônjuge ou companheiro;
- Ou tiverem inibido o autor da herança de dispor livremente dos seus bens por ato de última vontade por meios violentos ou fraudulentos.
Em adição a isso, segundo os artigos 1.962 e 1.963 do atual Código Civil, filhos e outros descendentes, bem como os ascendentes, podem ser deserdados por ofensa física e injúria grave contra o autor da herança, além de desamparo ou abandono deste em caso de alienação ou deficiência mental, bem como doença grave.
Também é possível deserdar descendentes que tenham tido “relações ilícitas” com sua madrasta ou padrasto (cônjuge do autor da herança) e ascendentes que tenham tido “relações ilícitas” com o cônjuge ou companheiro do autor da herança.
Em casos em que não é possível a deserdação, no entanto, há uma maneira de favorecer um herdeiro na partilha dos bens, deixando para ele uma quantia maior. Para isso, basta fazer um planejamento sucessório, por meio de doações ou testamento, partilhando de forma desigual a parcela disponível do patrimônio.
Por exemplo, digamos que o autor da herança seja viúvo e tenha três filhos, mas apenas um deles cuidou do pai no fim da vida. A legítima deverá ser, obrigatoriamente, dividida entre os três. Mas o falecido pode ter deixado um testamento destinando uma parte maior da parcela disponível, ou a sua totalidade, a este filho mais próximo.
Dívidas são herdadas?
Muito se brinca (e se teme) com a questão de herdar dívidas. Mas dívidas não são herdadas no sentido estrito da palavra. Se uma pessoa morre com dívidas em aberto, mas tem patrimônio para cobri-las, os débitos serão pagos com esses bens, até o limite do seu valor.
Assim, se as dívidas tiverem valor inferior ao do patrimônio do falecido, elas serão quitadas e o restante será partilhado entre os herdeiros; se tiverem valor maior, elas podem até ser renegociadas, mas o máximo que será despendido com essas obrigações será o valor total dos bens do falecido.
Os herdeiros no máximo ficarão sem herança, mas as dívidas do falecido não passarão para eles, isto é, eles não serão obrigados a responder a elas com o próprio patrimônio.
Além disso, algumas dívidas, como os financiamentos imobiliários, contam com seguro prestamista, destinado justamente a quitar o débito se o devedor vier a falecer.
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O processo de partilha e o planejamento sucessório
Quando uma pessoa falece e deixa bens, abre-se um processo de inventário, que pode ser judicial ou extrajudicial.
O inventário é o procedimento de identificação e listagem dos herdeiros, bens, direitos e dívidas do falecido para se chegar ao valor que será de fato transmitido a cada um dos seus sucessores.
A ação deve ser proposta por um dos herdeiros dentro dos 60 primeiros dias após a morte do autor da herança, e os atrasos são punidos com multa.
Caso a partilha seja amigável, não haja herdeiros menores de idade nem testamento, o inventário pode ser extrajudicial, realizado em cartório, o que pode sair mais barato e mais rápido do que aquele realizado pela via judicial.
Já o inventário judicial é obrigatório caso haja testamento, conflitos entre os herdeiros no que diz respeito à partilha ou herdeiros menores de idade ou considerados legalmente incapazes.
Muita gente tem o desejo de realizar doações em vida para adiantar a partilha e evitar os custos do inventário para a família, o que é realmente possível fazer em muitos casos.
Outras pessoas fazem o planejamento sucessório com testamento, deixando claros os seus desejos quanto à partilha, mas repare que o testamento não evita o inventário, além de obrigar o processo a ser judicial.
Outros dois elementos que entram no planejamento sucessório de muitas famílias são os seguros de vida, que não entram em inventário, e os planos de previdência privada tipo VGBL, que também podem evitar esse processo, quando feitos da maneira correta.
Esses instrumentos asseguram que a família terá recursos para sobreviver e arcar com os custos do inventário quando o autor da herança vier a falecer, dando a ela liquidez imediata.
Os custos envolvidos na partilha
Doações feitas em vida e transmissões de herança estão sujeitas à cobrança do chamado Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD), um tributo estadual que hoje varia de 2% a 8% a depender do estado e do tipo de transmissão (se doação ou herança).
Na hora de fazer o planejamento sucessório, cabe verificar, junto à Secretaria de Fazenda do seu estado, qual a alíquota, se há diferença de percentual dependendo do tipo de transmissão (ou se é o mesmo para heranças e doações) e de quanto é a faixa de isenção.
A reforma tributária recém-aprovada introduziu mudanças no ITCMD, que, por exemplo, passará a ser obrigatoriamente progressivo, mas as novas regras ainda dependem de regulamentação. As alíquotas também poderão aumentar.
Quanto ao imposto de renda, transmissões por herança e doação são isentas caso a transferência dos bens seja feita pelo mesmo valor que já constava no patrimônio do doador/autor da herança. Caso se opte pela atualização dos valores a valor de mercado, é necessário, então, recolher o IR sobre a diferença.
Já o inventário e a elaboração do testamento têm seus custos próprios, como as custas judiciais e honorários advocatícios, no caso dos processos judiciais, e despesas cartorárias, no caso dos extrajudiciais.