O boletim Focus desta segunda-feira (29) reforçou as preocupações do mercado com a questão fiscal e, consequentemente, com seus efeitos sobre a inflação.
Segundo o relatório divulgado pelo Banco Central, que traz as expectativas das instituições financeiras e agentes de mercado, a projeção para o IPCA ao fim de 2024 subiu de 4,05% para 4,10%. Para 2025, o consenso saiu de 3,90% para 3,96%.
Mais do que a alta em si, o que chama a atenção é a intensidade da subida. Afinal, o aumento nas expectativas do IPCA de uma semana para a outra foi igual ao das três semanas anteriores somadas (0,05 p.p.)
Já na projeção de 2025, o aumento registrado (0,06 p.p.) foi o dobro das três semanas anteriores (0,03 p.p.).
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Embora os dados da pesquisa, sempre divulgada às segundas-feiras, tenham sido coletados na semana passada, ficou a sensação de que o mercado ‘ignorou’ as falas do presidente Lula no domingo, em cadeia nacional de rádio e televisão.
Isso porque um dos pontos centrais do discurso de Lula foi justamente a responsabilidade fiscal, calcanhar de Aquiles da gestão econômica do governo aos olhos do mercado.
"Não abrirei mão da responsabilidade fiscal. Entre as muitas lições de vida que recebi de minha mãe, dona Lindu, aprendi a não gastar mais do que ganho", disse o presidente.
Apesar das palavras, o mercado segue ressabiado. Afinal, é justamente a percepção de que o governo não vai conseguir equilibrar as contas que tende a elevar as expectativas de inflação.
O banco Goldman Sachs, por exemplo, sintetizou essa visão em comentário sobre o Focus: “As expectativas de inflação de médio prazo descontroladas refletem um cenário de economia sem folga e sem prêmios de política monetária, ou seja, a expectativa de que as metas fiscais não serão cumpridas.”
IPCA desancorando e Selic estável jogam holofotes sobre reunião do Copom nesta semana
A alta nas projeções de inflação aumentam a ansiedade para a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) desta semana.
Embora a expectativa do mercado continue sendo uma Selic a 10,50% ao ano - e o próprio Copom sinalizou estabilidade na última reunião - a desancoragem da inflação é um fator de preocupação para o comitê, chefiado por Roberto Campos Neto.
Afinal, os juros são um dos instrumentos utilizados pelo Banco Central para conter o avanço dos preços, mas, em contrapartida, quando estão altos, eles tendem a frear a economia.
É por isso que o governo vem se mostrando contra a política monetária adotada pelo BC - disputa essa evidenciada pelas alfinetadas de Lula em Campos Neto.
Embora a alta na projeção do IPCA ainda não deva ser suficiente para uma retomada na subida dos juros, deve haver uma comunicação mais dura e, se a desancoragem seguir, o Copom poderia rever sua posição nas reuniões seguintes.
Influência do Focus sobre a definição de juros já foi questionada; entenda
As novas projeções do Focus devem atiçar também as mais diversas narrativas políticas relacionadas à Selic.
Nos últimos meses, economistas alinhados ao governo acusam o mercado de “manipular”, via Focus, a decisão do Banco Central sobre os juros por meio de expectativas mais altas de inflação.
O próprio Ministério Público chegou a pedir que o Tribunal de Contas da União apurasse o caso.
Embora não haja nenhuma evidência concreta, a narrativa pode ganhar corpo dependendo da decisão e da ata do Copom, aumentando a pressão sobre o comitê.