As empresas boas pagadoras de dividendos costumam cair no gosto do investidor pessoa física, que busca uma fonte extra de receitas recorrentes na carteira.
Mas aqui também é válida a máxima de mercado que norteia os “rendimentos”: dividendo passado não é garantia de dividendo futuro.
Uma empresa só distribui seu lucro para os acionistas em proporções elevadas se não tiver nenhum investimento no horizonte para seu próprio negócio.
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Enfrentando esse tipo de situação – e mais alguns eventos específicos – duas companhias do setor elétrico, que tradicionalmente reúne grandes pagadoras de dividendos, estão na berlinda.
A Taesa (TAEE11) e a ISA Cteep (TRPL4), duas das principais transmissoras de energia do País, que atuam em 18 Estados, vêm recebendo desde o ano passado recomendações de “venda” de analistas de corretoras (sell side) – um movimento que pouco se vê no mercado brasileiro.
Ambas devem reduzir o pagamento de dividendos — extraordinários, então, nem pensar —, exatamente o que atrai a força compradora dos pequenos investidores. A Taesa tem 773 mil pessoas físicas em sua base acionária; a Cteep, 339 mil.
Investimentos pesados pela frente
Ambas participaram de leilões de transmissão no ano passado e têm pela frente elevados investimentos, da ordem de R$ 3 bilhões só no curto prazo, em projetos marcados por deságios acima do esperado pelo mercado.
“A grande dúvida é qual será o retorno dessa alocação de capital e também qual a proporção do descontentamento da base atual de acionistas, principalmente das pessoas físicas, que privilegiam bastante os dividendos”, disse o analista de uma gestora de fundos.
Ele lembra que essa situação não preocuparia se estivesse relacionada, por exemplo, a empresas como a Equatorial Energia (EQTL3). A ação da distribuidora sempre performou muito bem, apesar de a empresa nunca ter sido uma grande pagadora de dividendos.
“Isso porque a alocação de capital foi feita com retornos altos, o que não é tanto o caso da transmissão, pelo menos hoje. A competitividade nesse segmento aumentou muito e isso tem gerado a percepção de que os retornos estão mais baixos.”
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Dividendos encarecem Taesa (TAEE11) e Cteep (TRPL4)
Nas palavras de um gestor, as ações da Taesa (TAEE11) e Cteep (TRPL4) estão muito caras, e isso tem relação direta com os dividendos pagos.
“Os controladores dessas empresas vêm priorizando o pagamento de dividendos às custas da piora da estrutura de capital. Isso atrai o investidor pessoa física desavisado, que compra a ação porque vê um payout alto, mas não tem a capacidade ou a disposição para analisar os dados da empresa e entender que essa distribuição não é sustentável”, disse o gestor.
Nas contas do gestor, as empresas já deveriam ter reduzido muito o pagamento de dividendos diante do volume de investimentos previstos e o IGP-M em queda, que se reflete negativamente nas receitas.
Um analista diz que os investidores institucionais já estão short [apostando na queda] dos dois papéis, mas isso não tem sido suficiente para as ações caírem.
A explicação muito provavelmente vem da força compradora dos pequenos investidores. Olhando em termos de TIR (taxa de retorno), como as ações não caem e com o juro subindo, esses papéis ficaram bem mais caros que outros do setor. “Assim, não dá para não ter recomendação de venda”, disse.
Semana passada, o JP Morgan colocou as ações da Taesa e Cteep em underweight — ou seja, com performance abaixo da dos pares no mercado.
Os analistas Henrique Peretti e Victor Burke escreveram que as empresas negociam hoje com valuation elevado num momento em que o cenário para ambas é de “pressões vendedoras” à vista, apesar de isso não estar hoje refletido nas cotações.
A avaliação no mercado é que ações com perspectiva de queda e balanços alavancados de ambas podem diminuir o espaço para a distribuição dos lucros.
Pressão vendedora
No caso da ISA Cteep, existe uma potencial pressão adicional. Afinal, a Eletrobras prepara a venda de sua participação de 35,74% do capital total da transmissora. A ex-estatal detém 52,48% em ações preferenciais (PN, sem direito a voto), as mais líquidas; e 9,73% em ações ordinárias (ON, com direito a voto) da companhia.
Se toda a participação for vendida, a operação, que poderá superar R$ 5 bilhões, deverá gerar o chamado overhang – quando uma grande oferta vendedora de papéis tem potencial para afetar negativamente as cotações.
Além disso, a Aneel, agência reguladora do setor elétrico, deve anunciar uma redução na indenização de RBSE (Rede Básica do Sistema Existente), o que deve gerar uma reversão de provisão de R$ 1 bilhão e deve afetar o lucro da companhia.
Por conta disso, e do aumento da alavancagem da companhia, o mercado espera um eventual anúncio de mudanças na política de dividendos da ISA Cteep. A relação entre a dívida líquida e o Ebitda pode sair de 2,4x para mais de 4x em 2026, de acordo com os analistas do Bradesco BBI.
A companhia tem cerca de R$ 15 bilhões de investimentos (capex) até 2028, mas informou que vai manter a prática de distribuição de 75% do lucro líquido regulatório.
No caso da Taesa, a alavancagem já é alta, de 3,8x; e para o Bradesco BBI vai superar 4x em 2025.
Taesa mudou cálculo dos dividendos
A Taesa anunciou em 8 de maio a alteração de sua política de dividendos, o que levou a uma desvalorização da ação. Desde então, o papel cai 6,5% na B3.
Em 2024, a empresa deverá distribuir 75% do lucro líquido regulatório. A a partir de 2025, a intenção é aumentar para entre 90% e 100% do lucro líquido regulatório.
Até o ano passado, a distribuição era de 100% do lucro líquido IFRS, que em 2023 foi de R$ 1,4 bilhão, enquanto o lucro líquido regulatório ficou em R$ 1,1 bilhão ou 21% menos.
Ao anunciar a mudança, a Taesa citou as necessidades de recursos para seu plano de investimentos e a situação da alavancagem.
Para o mercado, a empresa começou a se mexer para segurar a alavancagem e manter seu rating de crédito AAA. E não se descarta a possibilidade de a empresa anunciar novas mudanças na distribuição. “Deveriam reduzir mais para o endividamento parar de subir logo”, disse um gestor.
A Taesa ainda tem em sua base acionária a Cemig, que detém 36,97% das ONs; 1,28% das PNS e 21,68% do capital total. Assim como a Eletrobras na ISA Cteep, a empresa também pode, a qualquer momento, optar por vender a participação.
Para outro gestor, na Taesa é mais forte a discussão sobre um payout menor na margem. Na ISA Cteep, as pressões da possível venda da fatia da Eletrobras e da decisão sobre a RBSE pesam mais sobre os papéis.
Posições vendidas
A posição alugada — de investidores que tomam o papel para montar posições vendidas — em ISA Cteep equivale a cerca de 16% das ações em circulação (free float) no mercado. As taxas para o aluguel, de 5%, estão elevadas e a quantidade de dias para zerar a posição é de 30.
Na Taesa, o aluguel representa 6,5% do free float, as taxas estão em 0,5% e a zeragem é possível em 27 dias.
“Mas é importante destacar que, mesmo com as reduções de payout, os yields em si dessas empresas não são horrorosos, embora possivelmente menores do que foram nos últimos anos. O que gerou essa situação foi a perspectiva de incremento do negócio, após as aquisições que ambas fizeram nos leilões de transmissão”, pondera o gestor.
O J.P Morgan tem preço-alvo de R$ 31 para Taesa em dezembro de 2025. Trata-se de um potencial de desvalorização de 7% em relação à cotação atual (R$ 33,35 em 18/6). Para a ISA CTEEP o target é de R$ 25, cotação atual de mercado.