O ano era 2010. Enquanto o Brasil elegia sua primeira presidente mulher, a petista Dilma Rousseff, o mundo via a explosão da primavera árabe. Naquele momento, o dólar valia pouco mais de R$ 1,60.
A disparada da moeda norte-americana na última semana fez a divisa atingir R$ 6,2707 na máxima histórica ao longo desta sessão, encerrando esta quarta-feira (18) a R$ 6,2657, uma alta de 2,78%. Isso leva a uma valorização acumulada de 28% no ano — e de 290% em comparação com 2010.
Mas por que voltamos exatamente 14 anos no tempo? É simples. Os motivos para a atual disparada do dólar tem pontos em comum com aquele mesmo período — ainda que, em 2010, o real estivesse valorizado: o cenário externo.
Quem explica isso é a economista-chefe da área de Estratégia de Investimentos do Itaú, Gina Baccelli. “O dólar está valorizado em todo o mundo, toda moeda que você analisar está desvalorizada contra ele”, afirmou ela durante encontro com jornalistas nesta quarta-feira (18).
Baccelli explica que a taxa de câmbio real, métrica levantada pelo Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos EUA), está no segundo maior patamar da história — o que significa, no fim, que o dólar está mais forte em relação às demais moedas.
Para a economista, essa força do dólar explica — em partes, vale dizer — o motivo pelo qual o real vem se desvalorizando vertiginosamente.
Dólar forte no mundo, mas parte da culpa é do Brasil
Nicholas McCarthy, diretor da área de Estratégias de Investimentos do Itaú, também ajuda a explicar a disparada do dólar.
Para ele, parte dos problemas começaram com o atraso no corte de juros nos Estados Unidos, que fizeram os títulos do Tesouro norte-americanos (Treasurys) atingirem um patamar de retorno de 5% ao ano — considerado elevado para uma economia daquele porte.
“O dólar subiu de R$ 4,80 para R$ 5,30/R$ 5,40 por causa disso”, comenta McCarthy, ressaltando que outras moedas no mundo também foram desvalorizadas no mesmo período. “Mas [a subida de] de R$ 5,40 para R$ 6,00, foi culpa do Brasil”, pondera.
Além disso, para o diretor de estratégias de investimento, a eleição de Donald Trump pode ser uma notícia “inflacionária” para o País e para o mundo.
O fiscal e o dólar
Parte da “culpa do Brasil” na subida do dólar vem do risco fiscal crescente, que corrói a perspectiva de melhora das contas públicas. Ainda assim, para McCarthy, não estamos próximos de uma situação de “dominância fiscal”.
- A dominância fiscal acontece quando a política de juros já não tem mais efeito sobre o que é feito na economia. Em outras palavras, o BC perde o poder sobre o controle da inflação e outros indicadores econômicos.
“Nós não chegamos na dominância fiscal, mas demos um passo nessa direção”, diz o diretor do Itaú.
Ele explica que a falta de credibilidade do pacote de corte de gastos anunciado pelo Ministério da Fazenda foi o que gerou a piora na bolsa e, consequentemente, no dólar.
“A queda foi grande, mas não houve nenhum circuit breaker no meio do caminho, o que é um sinal de pessimismo, mas sem tanta gravidade quanto poderia ser”, afirma, em referência ao sistema que suspende as negociações em bolsa.
Para McCarthy, a bolsa pode saltar “até 30% em uma semana” se tiver um choque de credibilidade em relação ao fiscal brasileiro.
O “tarifaço” de Trump
Voltando alguns passos, o presidente eleito dos Estados Unidos Trump assume a presidência em 20 de janeiro de 2025 e já prometeu import tarifas de importação contra uma série de países.
Segundo o próprio republicano, a partir do seu novo mandato, seria imposta uma taxa de 25% sobre os maiores parceiros comerciais dos EUA (Canadá e México) e uma tarifa adicional sobre os produtos chineses, podendo somar até 35%.
Trump também afirmou que o Brasil “taxa demais” os produtos norte-americanos, além de ameaçar aplicar tarifas de 100% aos países do Brics caso tentem substituir o dólar por outra moeda em suas transações comerciais.
Para os executivos do Itaú, é preciso esperar para ver o que o novo presidente dos EUA conseguirá efetivamente fazer. Por enquanto, a retórica parece inflacionária em um primeiro momento, mas pode ser limitada, como aconteceu na gestão anterior.
Durante o primeiro mandato, Trump também impôs tarifas à China, porém em bens intermediários, não de consumo.
“Se você pegar a balança de exportação chinesa, metade é consumo e metade é de bens intermediários. Antes das tarifas chegarem aos bens de consumo, os países assinaram um acordo”, diz Baccelli.