A adivinhação é o ato ou esforço de predizer coisas distantes no tempo e no espaço. No caso da decisão do Federal Reserve (Fed) desta quarta-feira (1), não foi necessário muito esforço para saber o que estava por vir: 99% dos agentes do mercado projetavam a manutenção dos juros no nível atual — como, de fato, aconteceu. Agora, o que eles querem saber é o que a bola de cristal de Jerome Powell revela daqui para frente.
Com uma economia crescendo 4,9% no terceiro trimestre depois de um ritmo agressivo de aperto monetário, um mercado de trabalho aquecido e a inflação desacelerando mês a mês — embora ainda acima da meta de 2% — não era preciso ter o dom da adivinhação para saber que o banco central norte-americano manteria hoje a taxa básica inalterada na faixa entre 5,25% e 5,50% ao ano pela segunda vez seguida.
O inesperado poderia ter ficado por conta de Wall Street, mas a reação inicial das bolsas em Nova York também foi previsível. Com a manutenção dos juros já precificada, o Dow Jones, o S&P 500 e o Nasdaq continuaram operando em alta assim que a decisão de hoje foi anunciada.
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O cenário dificulta as previsões daqui pra frente
Com a decisão de hoje já traçada, o que realmente importa são os sinais do que o Fed pretende fazer daqui para frente.
Para perceber esses sinais, no entanto, é necessário dar uma olhada no cenário em que o banco central norte-americano atua.
Além de uma economia crescendo acima do previsto, o mercado de trabalho robusto e a inflação desacelerando — ainda que esteja acima da meta — o banco central norte-americano tem que lidar com o imponderável da guerra.
Não bastasse o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, o BC dos EUA foi atravessado em 7 de outubro pelo ataque do Hamas a Israel — e o potencial de mexer com a inflação, já que os confrontos acontecem no quintal de grandes produtores de petróleo como Irã e Arábia Saudita.
Isso sem falar no comportamento dos juros projetados (yields) pelos títulos de dívida de dez anos do Tesouro norte-americano, considerados um dos investimentos mais seguros do mundo.
No mês passado, os yields desses papéis romperam a barreira psicológica dos 5% pela primeira vez em mais de 16 anos, colocando o Fed em uma situação delicada. O Seu Dinheiro fez uma matéria detalhada sobre o comportamento do Treasury de dez anos.
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A busca pelos sinais sobre os juros
O ponto de partida da busca pelos sinais do que o Fed pode fazer daqui para frente é o comunicado que trouxe a decisão de hoje de manter os juros inalterados na faixa entre 5,25% e 5,50% ao ano.
Só que o documento não acrescentou muito ao que já se sabia, mantendo a linha do comunicado de setembro — deixando a tarefa de trazer as pistas para Powell na coletiva.
O comunicado diz que Comitê de Política Monetária (Fomc, na sigla em inglês) continuará avaliando informações adicionais e as implicações para a política monetária, o que inclui o efeito acumulado dos aumentos de juros agressivos do Fed — que começaram em março de 2022.
"Ao determinar a extensão do reforço adicional da política que pode ser apropriado para fazer regressar a inflação a 2% ao longo do tempo, o Comitê levará em conta o aperto cumulativo da política monetária, a defasagem com que a política monetária afeta a atividade econômica e a inflação, e os fatores econômicos e financeiros", diz o comunicado.
O documento reforça o entendimento do Fed de avaliar dados e tomar decisões reunião por reunião — ainda que o Fomc se mostre preparado para ajustar sua orientação caso surjam riscos que possam impedir o alcance da inflação em 2% e o pleno emprego.
Com relação à economia, o Fed reafirma que o sistema bancário dos EUA é sólido e resiliente, mas admite que as condições financeiras e de crédito mais restritivas para famílias e empresas "deverão pesar sobre a atividade econômica, as contratações e a inflação".
"A extensão destes efeitos permanece incerta. O Comitê permanece muito atento aos riscos de inflação", diz o comunicado.
Sobre a venda de Treasury, que ajuda a colocar pressão sobre o mercado de dívida, o Fed diz que "continuará a reduzir as suas participações em títulos do Tesouro e hipotecários conforme descrito nos nos planos anunciados anteriormente".
A bola de cristal de Powell sobre os juros
Quando o presidente do Fed começou a coletiva, a ansiedade dos jornalistas para fazer as perguntas já demonstrava o anseio geral pela resposta para a pergunta: os juros vão subir em dezembro?
Powell, no entanto, não quis cravar a resposta. Ele disse que o banco central norte-americano não declarou vitória sobre a inflação, embora as leituras recentes tenham caído abaixo dos 4%.
“Alguns meses de bons dados são apenas o começo do que será necessário para criar confiança de que a inflação está esfriando de forma sustentável em direção à meta. O processo para desacelerar a inflação de forma sustentável para 2% ainda tem um longo caminho a percorrer”, disse Powell.
Mas o chefão do Fed confirmou o que todo mundo já sabia: os juros devem continuar elevados por mais um tempo — descartando qualquer chance de corte de juro no curto prazo.
"A política monetária vai continuar restritiva por mais tempo até que tenhamos a confiança de que nossos objetivos estão sendo alcançados", afirmou. "O comitê não falou agora e nem está discutindo o corte de juros neste momento", acrescentou.
Powell explicou ainda por que o Fed desacelerou o ritmo de aperto monetário este ano. Segundo ele, o banco central norte-americano quis ver os efeitos de tantos aumentos de juros na economia e também no objetivo de inflação a 2%.
Questionado sobre o dot plot — como o gráfico de pontos do Fed é conhecido — Powell disse que ele é uma fotografia do momento em que é elaborado.
O gráfico de pontos coleta as projeções de membros do Fed para os juros e é divulgado a cada três meses junto com as previsões econômicas. Em setembro, o dot plot indicava que haveria outros apertos monetários ainda este ano.
"As projeções de mais altas em setembro não são promessas. Vamos avançar com cautela", afirmou Powell.
Ainda que tenha evitado falar sobre o fim do ciclo de aperto monetário, o presidente do Fed foi claro quando disse que vê o fim das altas de juros. "Fomos bastante longe no aperto. Agora estamos perto do fim dele", disse.