No início de 2020, a Azul (AZUL4) estava preparada para voar mais alto: a companhia havia encerrado o ano anterior com um lucro líquido de R$ 1,2 bilhão e uma margem recorde, de 24,1%; em 2018, os números também haviam surpreendido os analistas positivamente. O que poderia dar errado, considerando esse ritmo tão bom?
Bem, nem mesmo as piores projeções davam conta de uma pandemia que até hoje não teve fim, ainda que a vida da grande maioria das pessoas já tenha voltado ao normal. Afinal, nenhuma companhia aérea está preparada para deixar seus aviões parados no chão.
De lá pra cá, uma série de fatores desafiaram a gestão da Azul: em 2020, ela viu seu número de voos diários cair de mil para apenas 70; na virada de 2021 para 2022, a variante ômicron afetou as empresas aéreas que já não tinham tripulação para voar diante do alto nível de contágio.
Passados esses momentos, todo o setor aéreo respira um pouco mais aliviado, mas ainda é difícil dizer que todos os problemas causados pela pandemia ficaram para trás. Hoje, o aumento do custo da operação é o que mais atrapalha a grande maioria das empresas — e a Azul não é uma exceção.
"Quando olhamos os números do ano todo, é claro que ainda existe impacto da pandemia, mas 2023 deve trazer uma melhora. Hoje não temos problema de oferta nem demanda, o problema é o custo", afirma Alex Malfitani, co-fundador e CFO da Azul, em entrevista ao Seu Dinheiro. Ele cita especialmente as cotações do dólar e do petróleo, essenciais nas operações aéreas.
E as notícias são pouco animadoras nesse sentido: nesta semana, o petróleo volta a mostrar uma valorização intensa. Em relatório, o BofA estima um preço de US$ 100 para o barril em 2023, US$ 83 para 2024 e US$ 70 para 2025 – a partir daí, o preço do Brent é ajustado pela inflação.
Ou seja: não haverá caminho fácil para as companhias aéreas no médio prazo. No último balanço da Azul, divulgado em agosto, o efeito corrosivo da alta dos juros e do dólar já era evidente.
No segundo trimestre deste ano, as despesas da Azul com combustível de aviação saltaram 178%, chegando a R$ 1,698 bilhão, um aumento de 80,9% por litro. No mesmo período, a empresa teve uma baixa de R$ 2 bilhões somente com perdas cambiais — algo que pesou no balanço, já que ela possui empréstimos e passivos de arrendamento com contratos em dólar.
O plano de voo da Azul (AZUL4)
Hoje, o plano de Malfitani é atingir margens tão saudáveis quanto as vistas lá em 2019. "Acredito que só teremos uma margem igual àquela em 2024, mas trabalhamos para entregar em 2023", diz o CFO da Azul (AZUL4).
Entre as medidas adotadas para melhorar a saúde financeira e aguentar o aumento de custos, ele cita a troca de aeronaves por modelos mais modernos, capazes de economizar combustível. Segundo ele, a renovação da frota permite um custo por assento menor que o da concorrência.
Além disso, a demanda tem colaborado, ainda que com um perfil bastante diferente. Se antes as viagens a trabalho aconteciam com muita frequência, a pandemia mudou este quadro; além disso, os passageiros hoje têm uma flexibilidade maior para voar em dias com tarifas mais baixas. Ainda assim, as passagens corporativas hoje custam 50% a mais do que no período pré-pandemia.
Já as viagens de lazer têm encontrado um bom suporte na Azul Viagens, a operadora de turismo da companhia, com foco em voos regionais saindo de cidades do interior de São Paulo e da região Centro-Oeste.
Ao analisar os números de tráfego mais recentes da Azul, o Citi apontou que os dados são encorajadores, afirmando que a empresa conseguiu aumentar sua taxa de ocupação mesmo com crescimento na oferta de voos.
De acordo com os dados informados pela Azul, houve uma alta de 21,5% no tráfego consolidado de passageiros (RPK) no mês de agosto em comparação com o mesmo período no ano passado.
Já a capacidade (ASK) teve um aumento de 16,5% ante igual período de 2021. Assim, a taxa de ocupação das aeronaves foi de 81,3% no mês, um avanço de 3,4 pontos percentuais na comparação ano a ano.
Para calcular essas taxas, a Azul considera o número de passageiros de acordo com os quilômetros voados (RPK). Já o ASK se dá pelo número de assentos livres multiplicados pela quilometragem voada.
No mesmo relatório, os analistas do Citi elogiam também a redução de voos menos lucrativos da companhia, uma vez que o tráfego doméstico ainda não está a pleno vapor.
Aonde a Azul (AZUL4) ainda quer chegar
A pandemia trouxe uma frustração adicional para a Azul (AZUL4): embalada pelos bons resultados dos anos anteriores, a companhia anunciou, em janeiro de 2020, voos diários para Nova York saindo do aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP).
A ideia era, a partir de junho daquele ano, ampliar a atuação da empresa nos Estados Unidos, onde já mantém rotas para Orlando e Fort Lauderdale. A operação permitiria que a Azul realizasse 30 viagens semanais em solo americano.
O plano, obviamente, nunca saiu do papel — e não deve ser retomado tão cedo. Segundo Alex Malfitani, o foco da empresa hoje está nos hubs onde já é suficientemente forte, como Campinas, Recife (PE) e Belo Horizonte (MG), que devem ser cada vez mais conectados a outros pontos do país.
"Por enquanto não trabalhamos com novos destinos para os Estados Unidos ou Europa, vamos esperar para considerar Nova York outra vez", afirma.
Nessa linha, a Azul já anunciou um reforço em suas rotas de verão recentemente, com as operações extras que vão ligar Salvador (BA) a outras grandes capitais, como Cuiabá (MT) e Belo Horizonte.
A Azul Conecta, que trabalha com aviação regional, também auxilia na expansão da empresa. O objetivo é atender 81 cidades brasileiras até o fim deste ano — atualmente, são 60. Com essa estratégia, que usa aviões de pequeno porte em aeroportos menores, a Azul consegue voar sozinha em quase 70% das suas rotas.
"Para 2023, vamos precisar monitorar muito o sentimento do cliente, seja corporativo ou de lazer. Mas até aqui acreditamos em um cenário de crescimento para o Brasil", diz o CFO.
A expansão em Congonhas
Outro plano no radar da Azul é a expansão de suas operações no aeroporto de Congonhas, um dos principais do país, especialmente para rotas domésticas. No mês passado, a Agência Brasileira de Aviação Civil (Anac) e a Infraero confirmaram 86 slots (pousos e decolagens) disponíveis para distribuição no terminal para o início de 2023.
Em relatório, o Bradesco BBI aponta que as mudanças devem ser positivas para a Azul. Nos cálculos dos analistas, são 45 slots novos e 41 que pertenciam à Avianca Brasil — no total, a Azul poderia ficar com 84 espaços para pousos e decolagens, considerando os atuais 26 que já tem.
As companhias aéreas têm até o próximo dia 6 de outubro para fazer os pedidos de uso dos espaços; a Anac deve confirmar a quantidade que cabe a cada empresa aérea até 3 de novembro.
Os slots ficarão disponíveis em março de 2023, a tempo de aproveitar o finalzinho do verão — considerando o tempo de compra de um bilhete aéreo e a viagem em si, a Azul já poderá vender essas passagens no fim deste ano.
"Com essa mudança poderemos atender um público que hoje não conseguimos. Campinas é perto, mas dependendo de onde a pessoa está não compensa pegar um voo lá, acaba que não conseguimos pegar um público de Congonhas ou Guarulhos para Campinas", explica Alex Malfitani, que trabalha com a ideia de terminar o ano com pelo menos 80 slots no aeroporto da zona sul de São Paulo.
Em relatório, o BTG Pactual também aponta que essa distribuição de slots deve ser benéfica para a companhia, além de ser um dos pontos de atenção para os investidores.
Entre os demais fatores positivos para a empresa, os analistas do banco apontam sua dinâmica competitiva, a recuperação de volume e a parceria com a United — esta comprou 5% da Azul em 2015, e ambas possuem um acordo de compartilhamento de voos.
O BTG também diz preferir nomes com maior exposição ao mercado local no segmento aéreo, a exemplo da Azul.