Os últimos dias de Ricardo Lewin foram agitados. CFO da Cosan (CSAN3), ele se viu no centro das atenções após a companhia anunciar a compra de uma fatia de 6,5% da Vale (VALE3) — o medo de que o negócio vazasse obrigou a empresa a revelar a notícia ainda durante o pregão da última sexta-feira (7), antes do previsto.
Mas nem por isso os executivos tiveram menos dor de cabeça: de lá pra cá, os questionamentos do mercado parecem não cessar, obrigando-os a responder uma série de perguntas. E algumas delas foram feitas em uma entrevista exclusiva para o Seu Dinheiro.
Em plena noite de terça-feira (11) — véspera de feriado, portanto — e cansado com a maratona de perguntas e respostas desde a semana passada, Ricardo Lewin conversou com a reportagem e explicou alguns pontos que ainda permaneciam no ar.
Entre eles, o racional por trás da decisão que pegou o mercado de surpresa. Um dos pilares que sustenta a aquisição está na diversificação de portfólio da Cosan, que hoje inclui atividades nos setores de crédito de carbono (a partir da Raízen (RAIZ4) e da Radar), óleo e gás (com Raízen e Comgás (CGAS5)), energias renováveis (também a Raízen) e commodities agrícolas (com a Rumo (RAIL3)).
Com a Vale, a holding comandada por Rubens Ometto ficará mais exposta à demanda global e também aos temas ligados à transição energética. E um discurso que Lewin vem reforçando desde o dia do anúncio é de que este é um momento bom para entrada no negócio, uma vez que a Vale está sendo negociada abaixo de seu valor.
É importante lembrar que o contexto macroeconômico global — especialmente quando falamos de China — está impactando a Vale. Mesmo assim, a mineradora foi capaz de trazer forte geração de caixa, bons pagamentos de dividendos e controle de custos em seu balanço mais recente. Logo, investir nela pode ser uma oportunidade.
Mas, caso não seja, basta que a estrutura montada pela Cosan seja desfeita, e as ações, vendidas. Lewin reforçou, mais de uma vez, a vantagem de obter flexibilidade a partir do modelo escolhido.
"A gente vem estudando há alguns anos o setor de minério e a Vale. Nós temos nossa tese de investimento e a gente precisa comprovar essa tese. Agora que nos tornamos investidores, vamos entender se nossa tese está correta. Por isso montamos uma estrutura em que a Cosan tem proteção em caso de queda da ação da Vale ou caso essa nossa tese não se concretize, com opção de desfazer a estrutura", explica Lewin.
Para entender a estrutura montada pela Cosan (CSAN3)
A operação para compra de 4,9% da Vale mistura aquisição de papéis VALE3 no mercado à vista e estrutura de derivativos. No futuro, caso tudo saia conforme o previsto, a participação da Cosan (CSAN3) na mineradora pode chegar a 6,5% em até cinco anos, o que resultaria em um investimento de R$ 22 bilhões — considerando o fechamento do pregão anterior ao anúncio.
A transação foi dividida da seguinte maneira: num primeiro momento, a Cosan comprou 1,5% das ações da Vale. Além disso, realizou um empréstimo para adquirir outros 3,4% diretamente via um instrumento de compra e venda conhecido como "collar" — pares de opção de compra e venda de ativos.
Por fim, realizou uma operação via derivativos para eventualmente garantir mais 1,6% das ações da mineradora por uma conversão, que poderão ter direito a voto no futuro.
"Toda essa complexidade tem um racional de gestão de risco. Hoje, quem quiser investir na Vale com proteção de queda da ação, tem de investir na Cosan", disse o CFO, que ainda garante que a companhia não irá estressar seu fluxo de caixa nem seu balanço, assim como seguirá pagando dividendos — coisas que o mercado questionou nos últimos dias.
A Cosan (CSAN3) e o setor de minério
Um outro questionamento que foi feito desde o anúncio da aquisição diz respeito à falta de experiência da Cosan (CSAN3) no setor de mineração, o que também desperta dúvidas sobre a sinergia com a Vale.
Porém, esse não é o primeiro movimento da Cosan (CSAN3) no setor de minério de ferro. No fim do ano passado, o conglomerado anunciou um acordo com a chinesa CCCC para adquirir o TUP São Luis, empresa detentora de um terminal de uso privado localizado em São Luís (MA).
O negócio ajuda a Cosan em seus planos de produzir minério de ferro a partir de uma joint venture chamada Ligga, em uma parceria com o fundador e controlador da Aura Minerals, Paulo Brito.
"Isso é um negócio irrelevante perto da Vale, eu brinco que um é uma formiga e o outro é um elefante. Então, nosso foco será na Vale, que vai ser um negócio extremamente relevante no nosso portfólio", diz o executivo, reforçando que outras iniciativas no segmento de minério não fazem parte dos planos da empresa no momento.
Nesse aspecto, Ricardo Lewin gosta de dizer que, mais do que sinergia, a união com a Vale é capaz de gerar "destravamento de valor e geração de oportunidades" para as duas empresas, já que a Cosan tem um comprovado histórico em suas diferentes áreas de atuação.
Ele aposta também na capacidade de gestão existente dentro da holding e em seu perfil diferente em relação aos demais acionistas quando projeta a futura atuação no dia a dia da Vale.
Os principais acionistas da mineradora são Previ (8,61% do capital, Capital World Investor (6,69%), Blackrock (6,33%) e Mitsui (5,99%).
Um passo maior que a perna?
Outra leitura presente no mercado desde o anúncio é de que, conforme a Cosan amplia seu leque de atuação, ela pode ficar ainda mais descontada em relação ao valor de mercado de suas subsidiárias com capital aberto.
Os analistas do BTG Pactual calculam que a empresa tenha um desconto de 22% nessa comparação, enquanto a média para outras holdings semelhantes é de 30% de desconto.
Uma das maneiras de reduzir esse desconto no curto prazo é justamente fazer o IPO de outras subsidiárias, como a Compass e a Moove, que podem gerar alguns bilhões nos próximos anos.
Sobre isso, o CFO da Cosan assume que a possibilidade está dentro dos planos da companhia, desde que haja oportunidade no mercado. "Nossa meta é ter a Cosan com todas as empresas do portfólio tendo capital aberto. Assim, obviamente está nos nossos planos um IPO da Compass e da Moove."
A Cosan chegou a pedir o aval da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para o IPO da Compass no fim de julho de 2020, mas os planos não foram para frente. Dois meses depois, o pedido foi cancelado por "deterioração do mercado", segundo a companhia na época.