Sócio-administrador do escritório Machado Meyer Advogados, Tito Andrade era conhecido dos funcionários do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Antes da pandemia, costumava vê-los pelo menos duas vezes por semana: na ida e na volta de suas viagens a negócios. Com unidades em Brasília, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, o escritório frequentemente enviava seus advogados a essas cidades para reuniões.
Nos últimos 12 meses, porém, Andrade viajou apenas cinco vezes. Voos devem voltar à rotina de Andrade assim que for possível, diz ele, mas não com a mesma frequência. O advogado imagina que a redução pode chegar a 40% na comparação com o pré-pandemia.
A estimativa de Andrade é um pouco mais drástica do que a da consultoria Bain & Company, que projeta um recuo definitivo de 35% para o segmento de viagens corporativas, o que afetará empresas aéreas, hotéis, agências de turismo e toda uma cadeia relacionada ao setor.
Dados da Global Business Travel Association (associação internacional do setor) indicam que essa indústria movimentou US$ 1,4 trilhão em 2018 globalmente - pouco mais da metade disso apenas nos EUA e na China. No Brasil, foram US$ 30 bilhões em 2015.
Responsável por pagar passagens aéreas mais caras e diárias em hotéis de luxo, o turismo corporativo passará por uma transformação profunda decorrente da necessidade de as empresas economizarem e após elas terem conferido que muitas viagens não são mais necessárias com a popularização das videoconferências.
"O efeito dessa aceleração do trabalho remoto vai comer mais ou menos 35% das viagens a negócios de forma permanente. Essa é a nossa primeira estimativa, mas pode ser mais", destaca o consultor André Castellini, sócio da Bain.
O que conseguir sobreviver desse setor deve enfrentar uma retomada lenta. Um estudo da consultoria McKinsey mostra que viagens internacionais a negócios originadas nos EUA levaram cinco anos para se recuperar completamente após a crise de 2008, enquanto as viagens a lazer levaram apenas dois anos.
Castellini, da Bain & Company, conta que, em reuniões com executivos de empresas, quando pergunta sobre o lado positivo da quarentena, a maioria cita o fato de estar viajando menos e tendo mais tempo com a família. Segundo ele, na própria Bain, a redução nas viagens deve chegar a 40%. Hoje, os funcionários estão viajando 15% do que costumavam.
O corte, diz Castellini, será sobretudo em atividades internas, como recrutamento. Antes da pandemia, nas três rodadas de entrevistas que a empresa fazia com candidatos de fora do País, um funcionário era enviado para fazer a seleção. Após a pandemia, as duas primeiras fases serão online. Das viagens a treinamento, 25% devem ser eliminadas na consultoria.
No escritório Machado Meyer, viagens que tinham como objetivo construir relações com clientes devem ser retomadas. Mas aquelas em que o advogado perdia o dia todo em deslocamento para fazer apenas uma reunião serão extintas.
"Algumas reuniões presenciais são importantes e permitem decisões mais rápidas, além de uma compreensão mais clara do que o interlocutor está pensando. Por outro lado, tinha reuniões e viagens que eram desnecessárias e que provavelmente vamos continuar fazendo por vídeo", diz Andrade.
Além das viagens domésticas semanais que realizava, o advogado costumava ir seis vezes por ano ao exterior a trabalho. A Europa e os EUA eram os destinos mais frequentes, mas a Ásia também aparecia nos roteiros e, nesse caso, a viagem era em classe executiva.
Setor aéreo
O setor corporativo é o maior responsável pela demanda por passagens executivas e pernoites em hotéis de luxo. Antes da pandemia, as passagens em primeira classe e na executiva eram, em média, cinco vezes mais caras do que as da econômica. Com isso, esses bilhetes eram cruciais na receita das empresas, representando 30% do faturamento das companhias internacionais. Agora, segundo a Associação Internacional de Transportes Aéreos (Iata), a diferença de preço entre as classes premium e a mais barata é apenas o dobro. Essas tarifas mais baratas devem dificultar a recuperação do setor aéreo, de acordo com a entidade.
No caso da Gol, como a empresa tinha poucos voos internacionais, esse impacto da classe executiva é limitado. Ainda assim, há uma preocupação com a redução no número de passageiros a negócios. Relatório do Itaú BBA aponta que, antes da pandemia, 70% da receita da empresa com venda de passagens era gerada no segmento corporativo, apesar de ele representar apenas 30% do número de passageiros. Hoje, essa participação da receita é de 25%.
Na Azul, entre 60% e 65% dos passageiros eram corporativos antes da pandemia. Questionado sobre uma redução permanente deste mercado, o presidente da companhia aérea, John Rodgerson, disse que outras demandas podem substituir a que se tinha antes, como a de profissionais viajando para o litoral para trabalhar remotamente. "Claro que o mercado vai ser diferente, mas o setor aéreo está crescendo no Brasil. Nos EUA, onde o mercado estava estável, a recuperação está sendo rápida. Imagina aqui, onde havia crescimento."
Em nota, a Latam informou que é "fato que as viagens corporativas têm impacto relevante e direto nas receitas do setor, pois, historicamente, apresentam um tíquete médio mais alto e isso contribui em larga escala para margem da companhia". "A Latam permanece acompanhando este cenário e acredita que haverá, no futuro, uma jornada mais híbrida, permitindo, aos poucos, a volta do passageiro corporativo".
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em dezembro, o presidente da Gol, Paulo Kakinoff, reconheceu que um terço das viagens corporativas deve desaparecer. "Mas inspeções de engenharia e reuniões para vendas vão continuar presenciais. Uma reunião presencial vai acabar sendo até um diferencial competitivo", afirmou.
Em hotéis de turismo corporativo, ocupação é de 25%
Assim como ocorre nas empresas aéreas, nos hotéis de alto padrão os viajantes de negócios são os principais clientes. Eles costumam gerar 70% da receita nesses empreendimentos, segundo o World Travel & Tourism Council (organização que reúne o setor de turismo globalmente). Hoje, porém, a ocupação média nas redes hoteleiras corporativas não costuma passar de 25%, de acordo com a Associação Brasileira de Agência de Viagens Corporativas (Abracorp).
Um dos hotéis de São Paulo mais populares entre executivos, o Grand Hyatt tem conseguido alguns "picos" de ocupação de 28%. A unidade, onde 92% do público costumava ser corporativo, viu essa taxa cair a 10% no pior momento da pandemia. Em tempos normais, a ocupação fica ao redor dos 70%.
O diretor de marketing e vendas do Grand Hyatt São Paulo, Thiago Castro, diz acreditar que o Hyatt pode sofrer menos que o segmento em geral. Isso porque o hotel hospeda principalmente executivos de alto escalão, que vão à cidade inclusive para reestruturar operações de empresas e que podem retomar as viagens antes da maioria dos viajantes corporativos.
Renovação
O Hyatt criou um produto para, durante a quarentena, atrair executivos que precisam trabalhar remotamente mas não têm tranquilidade em casa. Nesse caso, o hóspede paga para usar um quarto transformado em escritório. Segundo Castro, porém, o público ainda é pequeno. "São profissionais que pagam do próprio bolso para usufruir disso. Acho que essa é uma barreira. Como tudo está sendo repensado agora, talvez empresas comecem a conceder isso como benefício. Aí pode haver uma mudança", diz.
O grupo Accor também criou produtos semelhantes. Em maio, lançou o "room office", quartos alugados para trabalho e que estão em 152 hotéis dos 321 que a rede tem no País. Até agora, o produto rendeu 1,5 mil diárias para a companhia na América do Sul.
A empresa ainda trouxe para o Brasil espaços de trabalho em áreas comuns dos hotéis e salas para reuniões a partir de três pessoas. Todas essas medidas buscam aumentar a receita do grupo, que, em média, tem dois terços de sua origem no setor corporativo. No ano passado, a Accor registrou, na América do Sul, queda de 62% na receita por quarto disponível. A rede estima que haverá redução permanente entre 7% e 10% da clientela corporativa no pós-pandemia.
O presidente executivo da Abracorp, Gervasio Tanabe, diz que o setor espera o início da recuperação entre agosto e setembro, quando a vacinação estiver mais avançada. Para ele, deve, sim, haver uma redução definitiva no segmento, mas ainda não é possível afirmar a proporção. O executivo aposta que viagens de treinamento serão mais afetadas, enquanto as comerciais, menos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
*Com informações do Estadão Conteúdo