O mercado foi surpreendido na noite de quarta-feira (14), quando a Cia. Hering (HGTX3) anunciou que recusou uma oferta de fusão apresentada pela Arezzo (ARZZ3).
Ao contrário de muitas surpresas que a bolsa vem nos trazendo nos últimos tempos, essa foi muito comemorada pelos investidores. As ações da Hering fecharam hoje em alta de 28,13%, a R$ 21,91, enquanto as da Arezzo avançaram 8,35% a R$ 80,95.
O comunicado divulgado ontem não traz muitas informações, dizendo apenas que a proposta não solicitada “não atende ao melhor interesse dos acionistas e da própria companhia”.
Hoje, pela manhã, foi a vez de a Arezzo tratar do assunto, oferecendo um pouco mais de detalhes. Segundo ela, a proposta, enviada à Hering no dia 7 de abril, prevê comprar a companhia têxtil numa operação que totaliza R$ 3,3 bilhões, valor 14,3% acima do atual preço de mercado.
A oferta é o passo mais ousado tomado pela administração da Arezzo no processo de transformação da companhia, de ir para além dos calçados, se transformando num grande nome nacional do ramo de vestuário e acessórios, com forte presença no mundo digital.
Depois de comprar a marca Reserva, ela avança sobre a Hering, no momento em que a empresa vem enfrentando grandes dificuldades, a ponto de ser vista no mercado como um potencial alvo para operações de fusões e aquisições, como ficou demonstrado agora.
Por enquanto, não há negócio, mas a Arezzo não pretende desistir tão fácil assim.
O que foi colocado na mesa?
A proposta apresentada pela Arezzo prevê a incorporação de ações da Hering, de forma que os acionistas receberiam:
- um total de 26.751.575 novas ações ordinárias da Arezzo, representativas de 21,17% do capital social, pressupondo uma relação de substituição de ações de 0,1686 nova ação da Arezzo para cada uma ação ordinária da Hering; mais
- uma parcela em dinheiro no total de R$ 1,3 bilhão.
De acordo com a Arezzo, a relação de troca equivale à atribuição de prêmio de 20% sobre o preço médio de fechamento ponderado por volume das ações da Hering no período de 90 dias anteriores a 7 de abril, quando a proposta foi apresentada.
Em carta enviada a Fabio Hering, CEO da empresa, a Arezzo argumentou que busca a união por conta da força que a companhia tem, reconhecida como um dos principais nomes do ramo de vestuário, oferecendo produtos de qualidade.
Além disso, a experiência da Hering na parte industrial resultará em ganhos expressivos à Arezzo, “permitindo a otimização de sua capacidade produtiva, especialmente com relação aos produtos das marcas da Reserva, dado que a malharia corresponde a aproximadamente 40% da sua produção”.
A Arezzo cita ainda como argumentos pela fusão potenciais ganhos de escala na compra de matéria-prima, sinergias operacionais, com a Hering aproveitando o conhecimento digital desenvolvido pela Arezzo, e melhorias na força de vendas.
Momento da Arezzo vs. momento da Hering
A Arezzo apresenta sua oferta no momento em que se encontra numa posição muito mais confortável, e com boas perspectivas de crescimento, do que a Hering.
Durante a pandemia, enquanto outros nomes sofriam com as restrições impostas ao comércio, ela passou por um processo de transformação, abrindo novas frentes de crescimento. A notícia que mais impressionou o mercado foi a compra da Reserva, especializada em moda masculina, por R$ 715 milhões.
Com a Reserva, a Arezzo ampliou em 3,5 vezes seu mercado de atuação, ao passar a comercializar roupas. Antes, o portfólio da companhia era concentrado em sapatos e acessórios, com marcas como Schutz e Vans.
Ela também investiu pesado no mundo digital, lançando um marketplace que reúne marcas que não fazem parte do grupo. Um dos exemplos foi a aquisição de participação majoritária na TROC.com.br, brechó online de roupas e acessórios de luxo.
Já a Cia. Hering parece presa ao passado, dependendo muito do varejo físico, ainda que seu e-commerce esteja evoluindo. Sem apostar numa grande aquisição, a marca também sofre para se modernizar, adaptar-se às demandas dos consumidores.
Há anos a empresa tenta se reestruturar, mas sempre esbarra em dificuldades de execução. E nisso vai sofrendo – a receita pouco, ou nada, cresceu nos últimos nove anos.
A diferença de momentos e de perspectivas entre Arezzo e Hering fica claro no valor de mercado de cada uma – R$ 7,5 bilhões contra R$ 2,8 bilhões, respectivamente, considerando as cotações de quarta-feira.
E agora?
Pelo que se vê das ações da Hering, o mercado está otimista em relação a um acordo, ainda que a companhia tenha recusado. Em entrevista ao site “Brazil Journal” ontem, Fabio Hering disse que a companhia está focada em sua reestruturação.
Também ao “Brazil Journal”, o CEO da Arezzo, Alexandre Birman, disse que a empresa vai analisar os próximos passos, mas destacou que a oferta foi rejeitada “pelo conselho, e não pelos acionistas”.
Sergio Oba, editor da Empiricus, destaca que esta não é a primeira tentativa de combinação entre as varejistas, citando que, entre 2014 e 2017, o CEO da Hering ocupou cargo de membro do conselho da Arezzo, e Birman esteve no conselho da Hering.
Para ele, o principal aspecto negativo da proposta está no valuation. “Partindo dos preços comprimidos atuais de Hering, o mercado não precifica as diversas (e profundas) iniciativas implementadas (e as em andamento) no seu modelo de negócios”, diz trecho de relatório. “De toda forma, a rejeição da proposta demonstra o foco e comprometimento do management da Hering, além do seu valor.”
Para o Credit Suisse, o momento de apresentação da proposta não poderia ser melhor para a Arezzo, considerando o atual patamar das ações, enquanto a Hering é negociada 30% abaixo do patamar pré-pandemia, o que também explica a forte alta de hoje.
Os analistas Victor Saragiotto e Pedro Pinto não acreditam que a Arezzo irá contornar a administração da Hering e tratar diretamente com os acionistas, dado o bom relacionamento, mas admite a possibilidade de a “temperatura esquentar”.
“Se o preço proposto não satisfez o conselho da Hering, por que ele não ofereceu espaço para uma negociação? A temperatura está claramente esquentando...”, diz trecho do relatório.