O setor aéreo é naturalmente difícil: em condições normais, empresas como Gol, Azul e Latam já lidam com uma série de variáveis externas, como a oscilação do dólar, a cotação do petróleo e os impostos sobre o combustível de aviação. Numa pandemia, a situação fica ainda mais complexa.
Afinal, como gerenciar uma empresa de transportes num cenário em que há uma severa restrição na circulação de pessoas? Como rearranjar as malhas, de modo a evitar que os aviões decolem praticamente vazios? Como gerenciar os custos e despesas com as aeronaves no chão?
A Latam não suportou muito tempo e entrou com um pedido de recuperação judicial nos EUA; a Azul, com uma estrutura mais enxuta, atravessou a tempestade — e dá a entender que está de olho nas operações da gigante chilena.
E a Gol? Bem, a Gol apertou os cintos. Desde o começo da pandemia, o CEO da empresa, Paulo Kakinoff, sempre deixou claro nas teleconferências de resultados trimestrais: o objetivo era sobreviver à turbulência. E a missão tem sido cumprida, ainda que a duras penas.
O ambiente continua desafiador para as aéreas, já que as sucessivas ondas da Covid-19 impedem uma evolução constante nas atividades do setor — momentos de melhora e piora se alternam, exigindo uma gestão ativa da frota e da malha.
Como resultado, a Gol queimou caixa em quantias elevadas desde 2020. Ainda assim, a companhia tem conseguido manter uma posição de liquidez total — que engloba o caixa e as contas e títulos a receber — relativamente confortável. E, com algumas iniciativas que serão colocadas em prática até junho, a situação de caixa tende a melhorar ainda mais.
"Até o final do segundo trimestre, a Gol terá realizado quase R$ 3 bilhões de novas emissões de capital", disse a companhia, ao divulgar suas projeções financeiras e operacionais para o ano. Com isso, a aérea prevê que encerrará o mês de junho com uma liquidez total de cerca de R$ 4,6 bilhões.
E quais emissões são essas? Há um aumento de capital de até R$ 512 milhões liderado pelo controlador; uma reabertura do Programa Garantido da companhia, no valor de R$ 1,5 bilhão; e uma emissão de ações para a aquisição da participação na Smiles.
Aliás, a forma como a incorporação do programa de fidelidade foi conduzida gerou bastante discussão no mercado. Mas fato é que a iniciativa foi aprovada — e, com isso, a Gol espera capturar sinergias, melhorar o acesso ao crédito e aumentar os fluxos de caixa.
Apesar disso, o endividamento é uma grande fonte de preocupação do mercado. Por mais que a Gol esteja conseguindo rolar os compromissos de curto prazo, o montante da dívida bruta estava acima de R$ 16 bilhões ao fim de março:
Quanto ao perfil da dívida, a maior parte têm vencimento no longo prazo. Veja um resumo dos compromissos que expiram nos próximos 12 meses — os dados constam no último balanço da Gol:
- 2T21: R$ 302 milhões e US$ 70 milhões;
- 3T21: R$ 153 milhões e US$ 43 milhões;
- 4T21: R$ 3 milhões e US$ 20 milhões;
- 1T22: R$ 151 milhões e US$ 40 milhões;
- 2T22: US$ 17 milhões;
- 2S22: US$ 57 milhões.
Nesse aspecto, a aérea trouxe uma boa notícia: quitou integralmente os US$ 250 milhões em empréstimos com vencimento no curto prazo, o que dá fôlego no front do endividamento.
Dito tudo isso, resta saber como fica o lado operacional — e é aqui que as maiores dúvidas persistem.
Gol, operações e pandemia
Por mais que a Gol tenha feito o que era possível para manter uma posição de liquidez satisfatória e gerenciado seu endividamento, seu desempenho operacional continua fortemente afetado pela Covid-19.
A demanda por voos ainda está muito aquém dos níveis normais, a oferta precisou ser adaptada à nova realidade e a taxa de ocupação das aeronaves tem girado em torno de 80%. Nesse cenário, os custos médios por assento da Gol dispararam, mesmo excluindo os gastos com combustível.
O pico visto no segundo trimestre de 2020 coincide com a primeira onda da pandemia, momento em que o setor aéreo ficou praticamente parado e as companhias ainda começavam a promover os ajustes na malha. Desde então, há uma tendência de baixa.
As projeções da Gol, no entanto, mostram otimismo por parte da companhia: no segundo trimestre, a empresa diz esperar por uma baixa de 40% no indicador em relação à média de 2020 — o que implica num CASK ex-combustível ao redor de R$ 10,42 centavos. A previsão anterior era de baixa de 27%.
No lado financeiro, o segundo trimestre também parece mais promissor: a receita projetada é de cerca de R$ 1 bilhão, abaixo do R$ 1,56 bilhão visto nos primeiros três meses do ano. Apesar disso, a Gol acredita que o Ebitda ficará positivo em R$ 100 milhões — entre janeiro e março, foi negativo em R$ 72 bilhões.
Para o segundo semestre, a visão é ainda mais construtiva: receita em torno de R$ 6 bilhões, Ebitda de R$ 2 bilhões e liquidez total de R$ 4,5 bilhões. Mas num ambiente tão incerto por causa da pandemia, o mercado prefere assumir uma postura cautelosa em relação aos horizontes mais longos.
"Apesar de reconhecermos os esforços da Gol para equilibrar oferta e demanda, permanecemos cautelosos com o setor, já que acreditamos que há vários desafios para a recuperação do tráfego aéreo no segundo semestre", disseram Lucas Barbosa e Rubén López Romero, analistas do Santander, destacando que a vacinação no Brasil é a variável chave.
E a Gol parece trabalhar com um cenário-base de avanço rápido na imunização: embora reconheça que qualquer previsão a respeito da demanda seja difícil, a companhia diz que o progresso na vacinação está impactando positivamente o tráfego aéreo.
Resta saber como a dinâmica da pandemia irá se comportar daqui para frente — e se uma terceira onda da Covid-19 provocará novas paralisias na economia doméstica e no fluxo de passageiros.
Por ora, o mercado dá um voto de confiança na Gol e em suas projeções positivas para o futuro: as ações PN da companhia (GOLL4) avançaram 6,68% nesta quarta (26).