O encerramento do primeiro bimestre de 2021 foi bem pior do que o esperado, pelo menos frente às expectativas formadas logo no início do ano.
O motivo? Bem, aqui no Brasil vivemos nossa própria realidade, na qual as pressões fiscais e políticas ainda fazem sombra sobre os ativos de risco. No exterior, porém, a história é outra.
Tudo tem a ver com uma coisinha chamada curva de juros.
Basicamente, a curva de juros é uma curva que mostra vários rendimentos até o vencimento ou taxas de juros em diferentes maturidades de um determinado título (dois meses, dois anos, 20 anos e assim por diante). A curva mostra a relação entre o nível da taxa de juros (ou custo do empréstimo) e o prazo de vencimento da dívida.
As taxas de juros dos EUA, por sua vez, ligadas aos títulos do Tesouro americano, são acompanhadas de perto por muitos financistas.
A razão?
Em poucas palavras, o Tesouro americano é considerado como sendo o garantidor de crédito mais seguro do mundo. Logo, suas taxas de juros são tidas como as livres de risco global.
Isso mesmo, a dívida americana é utilizada ao redor do mundo interior para arbitrar todos os investimentos, uma vez que, em finanças, a atividade dos investimentos é medida por quanto um dado ativo te paga acima do ativo livre de risco; isto é, o prêmio de risco.
Com isso em mente, se observarmos a curva de juros nas últimas semanas, podemos observar uma elevação da curvatura; ou seja, a curva se tornou mais inclinada. Neste caso, houve elevação da expectativa de juros por parte do mercado.
E por quê?
Tudo se resume às expectativas de inflação. Em outras palavras, uma maior retomada do nível de atividade, a normalização da situação econômica ao passo em que a população é vacinada e uma continuidade dos estímulos monetários e fiscais, pressiona as projeções dos agentes para a economia, indicando uma maior inflação no curto prazo.
Como o Banco Central dos EUA, o Fed, assumiu uma postura permissiva em relação à inflação, permitindo que a mesma supere a meta de 2%, os investidores começam a temer uma necessidade de elevação da taxa de juros antes do esperado. Segundo a autoridade, isso não será o caso, pois a inflação que estamos verificando hoje é temporária e extraordinária, mas o mercado tem operado cautelosamente quanto a essa afirmação.
Essa queda acentuada nos preços dos títulos do governo (pressão vendedora), que proporciona uma alta dos juros de prazos mais longos (se o preço do título cai, a taxa de juros sobe), sugere que, embora os investidores estejam acreditando em certa medida nas palavras dos bancos centrais globais de que permanecerão acomodados no curto prazo, eles estão apostando que os formuladores de políticas ficarão "atrás da curva de inflação” (ou “correndo atrás do próprio rabo”) e serão forçados a subir mais agressivamente no futuro.
Para nós, portanto, valem as seguintes questões:
- Quais são as implicações para os ativos de risco?
- As ações continuarão subindo com a ampla liquidez existente ou os ativos vão operar em queda com o impacto de uma taxa de desconto mais alta (juros mais altos aumentam a taxa de desconto e reduzem o valor presente dos ativos)?
A resposta depende do que chamamos de duration dos ativos.
Isto é, ações de maior duration, ou mais sensíveis às variações de juros, como ações de crescimento (setores de tecnologia e saúde, por exemplo), são mais sensíveis ao movimento da taxa de desconto. Isso é especialmente verdadeiro quando o valuation está tão elevado como os de hoje.
Enquanto isso, os setores de duration curta, com rendimentos de dividendos mais elevados, são menos vulneráveis. Esse é especialmente o caso do setor financeiro, que se beneficia de uma curva de rendimento cada vez mais inclinada.
Em momentos de alta de juros, ações com duration mais curta, ou da “velha economia” (setores cíclicos ou tradicionais), costumam ter uma performance acima da média.
Este é o chamado reflation trade, ou movimento de fluxo em direção aos ativos que se beneficiam de momentos inflacionários. A rotação setorial de hoje tem se dado nesta sequência.
A questão que fica, portanto, é: seria uma tendência que veio para ficar ou vamos voltar à lógica anterior em um segundo momento?
Entendo que a tendência vai poluir o cenário ao longo de todo 2021, com momentos de retorno do reflation trade pontualmente no ano, mas a tendência de longo prazo permanece.
Isto é, acredito na tese do Fed de que a inflação de agora é mais pontual, ainda fruto da expansão de liquidez exacerbada e do choque na cadeia de suprimentos decorrente da pandemia.
Logo, ainda que haja temor do mercado no curto prazo, o longo prazo promete trazer de volta a tendência original. Veja, a volatilidade faz parte e, por isso, não me assustaria de ver algumas correções de até 20% nesta jornada.
E por que o ouro está caindo?
O ouro não paga juros nem dividendos. É, portanto, negativamente correlacionado às taxas reais dos EUA. Quando as taxas reais dos EUA atingiram -1,10%, o ouro atingiu quase US$ 2.000. Agora, com as taxas reais caindo para -0,80%, o ouro está em US$ 1.750.
Se houver inflação no curto prazo, e os juros se mantiverem sem esticar muito, acredito que o ouro será um dos ativos de melhor desempenho nos próximos anos. Adicionalmente, não se pode ter muito de metais preciosos, devido a volatilidade. Não consideraria mais do que a faixa entre 3,5% e 5%, no máximo — diversificado em veículos e metais.
Tudo isso, claro, feito sob o devido dimensionamento das posições, conforme seu perfil de risco, e a devida diversificação de carteira, com as respectivas proteções associadas.
Os esforços de se identificar a melhor oportunidade para se investir só vão crescer ao longo da próxima década. O mercado se torna cada vez mais competitivo e volátil. Para sermos bem-sucedidos, é necessário que estejamos bem acompanhados.
É como estão os leitores de Felipe Miranda, estrategista-chefe e fundador da Empiricus, a maior casa de análise de investimentos para o varejo da América Latina. Em sua série best-seller, a “Palavra do Estrategista”, Felipe compartilha suas melhores ideias para os mais diferentes tipos de investidores.